Perturbação de Hiperatividade e

Défice de Atenção

Autores:

Marta Barros, Interna de Formação Especifica em Pediatria, Centro Hospitalar Vila Nova de Gaia/Espinho,

Raquel Guedes, Assistente Hospitalar Graduada em Pediatria, Centro Hospitalar Vila Nova de Gaia/Espinho,

Sobre a Perturbação de Hiperatividade e Défice de Atenção (PHDA)

A PHDA é uma perturbação neurocomportamental, que se manifesta desde cedo na infância, persistindo frequentemente na idade adulta, com elevado impacto pessoal, familiar e social. Caracteriza-se por um padrão persistente de pelo menos 6 meses de sintomas de Falta de Atenção (subtipo inatento), de Hiperatividade e/ou de Impulsividade (subtipo hipercinético) ou de ambos (subtipo combinado).

O processo de avaliação da PHDA é complexo e o diagnóstico não é feito apenas pela presença de sintomas, sendo importante a avaliação do seu impacto em mais de um contexto da vida diária (escola, casa, relação interpessoal, entre outros). A  avaliação da PHDA, genericamente, tem como objetivos:

- Identificar os sintomas e classificar a PHDA no seu subtipo;

- Reconhecer as possíveis comorbilidades;

- Identificar as implicações da PHDA nos diferentes contextos de vida do adolescente.

A prevalência estimada da PHDA é de 5% e é cerca de 2,5 vezes mais comum no sexo masculino, embora na adolescência esta diferença seja menos evidente.

Causas de PHDA

A etiologia da PHDA envolve múltiplos fatores:

- Neurofisiológicos: disfunção genética do metabolismo das catecolaminas em diferentes áreas cerebrais (córtex pré-frontal e conexão com gânglios da base e cerebelo);

- Genéticos: componente hereditário estimado de cerca de 70-80%, sendo o risco em irmãos de crianças com PHDA três a cinco vezes superior ao da população em geral;

- Ambientais: exposição pré-natal a álcool, drogas, tabaco, chumbo; eclâmpsia materna, trabalho de parto prolongado, asfixia perinatal, baixo peso ao nascer; traumatismo craniano; privação afetiva precoce.

A PHDA manifesta-se sempre da mesma maneira?

O diagnóstico é clínico e deve basear-se na aplicação dos critérios da 5ª edição do manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais da Associação Americana de Psiquiatria (DSM-V) (tabela 1). Apresenta-se com dificuldades crónicas ao nível da atenção, controlo motor e dos impulsos e pode manifestar-se com sintomas predominantemente de inatenção, de hipercinésia ou uma conjugação de ambos.

Na adolescência, o diagnóstico por vezes é tardio e pode ser mascarado pela presença de comorbilidades, sendo por vezes necessário um elevado índice de suspeição.

- Forma combinada: se cumpre seis dos nove critérios 1 e 2 da DSM-V nos últimos 6 meses;

- Predominantemente desatenta: se cumpre seis dos nove dos critérios 1, mas não os 2 nos últimos 6 meses;

- Predominantemente hiperativa/impulsiva: se cumpre seis dos nove dos critérios 2, mas não os 1 nos últimos 6 meses;

- Na adolescência: predominam sintomas de desatenção e impulsividade que podem condicionar dificuldades escolares, problemas na interação social, tal como agressividade e envolvimento em conflitos, acidentes e comportamentos de risco, baixa autoestima, ansiedade e depressão.

Classificação quanto à gravidade:

- Ligeira: poucos ou nenhuns sintomas para além daqueles requeridos para fazer o diagnóstico e os sintomas resultam em ligeira incapacidade no funcionamento social ou ocupacional;

- Moderada: sintomas ou incapacidade entre o grau ligeiro e grave;

- Grave: quando estão presentes muitos sintomas para além dos requeridos para o diagnóstico ou vários sintomas de particular gravidade, ou ainda que resultem em prejuízo importante do funcionamento social ou ocupacional.

Impacto da PHDA no adolescente:

- Baixo rendimento escolar;

- Dificuldade em controlar impulsos e emoções;

- Dificuldade em organizar rotinas;

- Falta de autocontrolo, sentimento de insegurança e baixa autoestima;

- Repreensões frequentes consequentes dos problemas comportamentais;

- Sentimentos de rejeição e de desvalorização;

- Influências negativas por parte dos pares (jovens influenciáveis) e consequentes comportamentos de risco e acidentes decorrentes da sua desatenção/impulsividade.

Impacto da PHDA na família

 - Conflitos frequentes decorrentes do mau rendimento e comportamento escolares;

 - Conflitos decorrentes da falta de organização e cumprimento das tarefas domésticas;

 - Dificuldade em compreender a PHDA como uma doença crónica por parte dos cuidadores e incapacidade em lidar com ela;

 - Envolvimento da família na resolução dos conflitos com os pares e suas famílias, levando muitas vezes ao rótulo de mal-educado.

O que abordar na História Clínica?

 - Antecedentes pessoais: antecedentes pré-natais e neonatais, marcos de desenvolvimento psicomotor, crescimento e antecedentes patológicos;

 - Sintomatologia: idade de início, persistência e grau de impacto funcional; local/atividades em que se constatam; comportamentos de risco e comorbilidades como ansiedade, depressão, agressividade, oposição, comportamentos de experimentação/consumos tabaco, álcool, drogas ilícitas, comportamentos sexuais de risco, história de gravidez na adolescência;

 - Percurso académico: idade de entrada para a escola, ano atual de escolaridade, tipo de currículo, áreas de maior dificuldade, retenções, apoios educativos;

 - Hábitos: sono e alimentação;

 - Antecedentes familiares e contexto social: história de PHDA, dificuldades de aprendizagem, insucesso escolar, perturbação do desenvolvimento intelectual, patologia psiquiátrica, história familiar (1º grau) de morte súbita precoce (< 40 anos), arritmia e síncope cardiogénica.

Exames Auxiliares de Diagnóstico:

 - Raramente indicados, mas a ponderar caso a caso de acordo com história clínica e exame objetivo;

 - ECG/ orientação para consulta de Cardiologia Pediátrica em caso de história pessoal de cardiopatia estrutural ou cirurgia cardíaca, sintomas (p.e. palpitações, toracalgia, dispneia ou síncope de esforço) ou sinais sugestivos de patologia cardiovascular (p.e. sopro, tensão arterial elevada), história familiar (1º grau) de morte súbita precoce (< 40 anos), arritmia ou síncope cardiogénica;

 - Ponderar no diagnóstico diferencial de comorbilidades.

Comorbilidades

 - Rastreio de comorbilidades (presentes em 70% dos casos) e ponderar encaminhamento para consulta de pediatria/adolescentes ou pedopsiquiatria:

 - Desregulação do humor disruptivo;

 - Perturbação depressiva major;

 - Perturbação da conduta;

 - Perturbação de oposição e desafio;

 - Perturbação antissocial da personalidade;

 - Perturbação borderline da personalidade;

 - Perturbação bipolar; 

 - Perturbações de ansiedade;

 - Perturbação obsessivo-compulsiva;

 - Perturbações do comportamento alimentar;

 - Comportamentos de risco: consumos e comportamentos sexuais de risco;

 - Perturbação de ansiedade;

 - Perturbações específicas de aprendizagem;

 - Perturbação de tiques;

 - Perturbação do espetro do autismo.

Terapêutica

O tratamento da PHDA é multimodal e combina a intervenção psicossocial e farmacológica. O objetivo do tratamento é controlar a desatenção, hiperatividade e impulsividade, melhorando o desempenho académico e as competências sociais do adolescente, bem como prevenir o aparecimento ou agravamento de comorbilidades.

Intervenção combinada com a escola:

Articular com os professores para que criem as condições possíveis e necessárias para ajudar o adolescente a lidar com as suas dificuldades; definir e auxiliar os professores na gestão de tarefas adaptadas às caraterísticas do adolescente com PHDA:

 - Aulas preferencialmente de manhã;

 - Turma reduzida;

 - Rotinas diárias e previsíveis;

 - Sentar na primeira fila e longe da porta e das janelas;

 - Dar instruções verbais curtas e claras, dividir as instruções em pequenas etapas, fornecer instruções escritas, colaborar na organização do trabalho, do material e tempo destinado a cada atividade;

 - Reforçar positivamente comportamentos e desempenhos adequados.

Intervenção com a família:

 - Psicoeducação com a família (explicar o que é a PHDA, causas, como se manifesta, consequências);

 - Munir os pais e educadores de estratégias e ferramentas que possam ajudar a criança/adolescente a lidar com as dificuldades e consequências da PHDA e a ter sucesso;

 - Estratégias para um ambiente familiar equilibrado;

 - Gestão da autoestima do adolescente.

Intervenção com o adolescente:

 - Psicoeducação (explicar a PHDA, como se manifesta e consequências);

 - Desenvolvimento de técnicas de gestão do comportamento, gestão emocional, controlo da impulsividade, treino de competências sociais, gestão de tarefas:

 - Fomentar atividades extracurriculares;

 - Promover estilos de vida saudáveis (alimentação, exercício físico e comportamentos saudáveis);

 - Atribuição de pontos convertíveis em recompensas para mudança consistente de comportamentos indesejáveis.

Psicoterapia e técnicas de mindfulness:

 - Promoção de atividades sociais positivas;

 - Simulação de situações sociais desafiantes;

 - Ajudar a lidar com a frustração e a controlar impulsos;

 - Elogio e reforço positivo frequentes.

Terapêutica farmacológica:

Corrige o desequilíbrio químico cerebral e leva a melhorias clínicas em cerca de 80% dos doentes. Ao realizar a prescrição deve ter-se em conta a duração do efeito desejado, a capacidade do adolescente em engolir comprimidos/cápsulas, a existência de comorbilidades ou contraindicações, efeitos adversos e preço - tabela 2)

1ª linha- Psicoestimulantes (metilfenidato e lisdexanfetamina): Não causam habituação nem dependência:

Metilfenidato

 - Aprovado acima dos 6 anos de idade;

 - Simpaticomimético que aumenta a concentração extracelular de dopamina e noradrenalina no córtex pré-frontal e núcleo estriado;

 - Início de ação rápido, sendo eficaz desde a primeira utilização.

 - Comprimidos, cápsulas e comprimidos de libertação prolongada;

 - Contraindicações: hipertensão arterial, hipertiroidismo, arritmias cardíacas, glaucoma e esquizofrenia.

Lisdexanfetamina:

 - Pró-fármaco inativo (L-lisina + dextroanfetamina), estimulante do sistema nervoso central

 - Aprovado acima dos 6 anos de idade;

 - Cápsulas (30, 50 e 70 mg)

 - Início de ação em 30 minutos e duração de ação de cerca de 12 horas.

 - Iniciar com 30 mg/dia, podendo aumentar-se 20 mg/semana, até ao máximo de 70 mg/dia, procurando a sua administração na dose eficaz mais baixa.

 - Contraindicações semelhantes às observadas com o metilfenidato.

2ª linha- não estimulantes (atomoxetina):

Atomoxetina:

 - Inibidor da recaptação da noradrenalina;

 - Aprovado acima dos 6 anos de idade;

- A ponderar em adolescentes com perturbação de tiques ou ansiedade e como fármaco alternativo aos psicoestimulantes se resposta insuficiente ou aparecimento de efeitos adversos.

 - Comprimidos (5, 10, 18, 25, 40 e 60 mg)

 - Iniciar-se com 0.5 mg/Kg, 7 dias seguidos, com aumento posterior até um máximo de 1.4 mg/Kg (máximo 100 mg), 1-2x/dia.

 - Efeito terapêutico só começa 4 a 6 semanas após o início da terapêutica.

Outras intervenções:

 - Suplementação com ácidos gordos ómega 3: sem efeito terapêutico comprovado;

 - Implementação de medidas de apoio educativo se necessário (abrigo do Decreto-Lei 54/2018);

 - Avaliação cognitiva em casos de mau rendimento escolar ou história sugestiva de perturbação do desenvolvimento intelectual.

Prognóstico

30 a 60% dos doentes mantêm sintomas significativos em idade adulta.

Prognóstico influenciado por:

 - Idade de início da intervenção (importância do diagnóstico precoce);

 - Presença de comorbilidades;

 - Baixo nível socioeconómico.

Seguimento

Em todas as consultas:

- Monitorizar adesão terapêutica e efeitos adversos;

- Avaliar grau de satisfação com a terapêutica instituída (autoestima, rendimento escolar, satisfação parental);

- Monitorização do peso, altura e tensão arterial;

- Identificação de comorbilidades e eventual referenciação para pedopsiquiatria;

Ponderar, caso a caso, interromper tratamento aos fins de semana, férias e feriados (apenas no caso do tratamento com metilfenidato).

 - Mensal: Após instituição e até ajuste terapêutico;

 - Semestral: Após estabilização clínica.

Mensagens-chave

 - A PHDA é uma doença crónica e o seu diagnóstico é clínico;

 - Destaca-se a importância de um diagnóstico precoce de forma a prevenir e/ou diagnosticar precocemente comorbilidades com implicações no caso de diagnósticos diferenciais, ou na terapêutica;

 - O plano de intervenção deve ser abrangente, combinando medidas comportamentais e farmacológicas;

 - O tratamento farmacológico de 1ª linha deve incluir um psicoestimulante, e a resposta é favorável em 80% dos doentes.

Bibliografia

1 - Fernandes JB, Almeida M, Alfaiate C. Compreender a PHDA - Perturbação de Hiperatividade e Défice de Atenção. 1ª edição. Coimbra : BIDL, 2018.

2  - http://id.bnportugal.gov.pt/bib/bibnacional/1993526

3 - Clinical Practice Guideline for the Diagnosis, Evaluation, and Treatment of Attention-Deficit/Hyperactivity Disorder in Children and Adolescents. Subcommittee on Attention-Deficit/hyperactivity Disorder. Pediatrics. 2019 October; 144(4).

4 - Clinical Practice Guideline for the Diagnosis, Evaluation, and Treatment of Attention-Deficit/Hyperactivity Disorder in Children and Adolescents | Pediatrics | American Academy of Pediatrics (aap.org)

5 - Attention Deficit Hyperactivity Disorder. Diagnosis and Management of ADHD in Children, Young People and Adults. NICE Clinical Guideline 72. 2018.

6 - https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK493361

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