Infeções Sexualmente

transmissíveis

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Autores:

Ana Carolina Alves, Pascoal Moleiro

Serviço de Pediatria, Centro Hospitalar de Leiria

Introdução

O desenvolvimento psicossocial normal do adolescente engloba um desejo de autonomia, necessidade de experimentação e aumento dos comportamentos de risco, tornando os adolescentes particularmente vulneráveis às infeções sexualmente transmissíveis (ISTs). (1) A promoção de uma sexualidade e afetividade saudáveis e a prevenção, desempenham papéis fundamentais. A deteção das ISTs é desafiante e o diagnóstico precoce e o tratamento atempado são cruciais. (2)

As ISTs na atualidade

As ISTs são infeções transmitidas de pessoa para pessoa principalmente através das relações sexuais (vaginais, orais e/ou anais). São provocadas por bactérias, vírus ou parasitas que estão no sangue, sémen e fluídos corporais ou à superfície, na pele ou mucosas (genital e oral). (3)

Temos assistido a um aumento das “velhas infeções”, sendo as IST’s mais frequentes a clamídia e a gonorreia.(4,5) Verificou-se também um aumento do número de casos de Sífilis.(6) Outras IST prevalentes são o herpes genital, o vírus do papiloma humano (HPV) e o vírus de imunodeficiência humana (VIH). Desde maio de 2022, assistimos ao surgimento de novas infeções nomeadamente os surtos de Monkeypox (Varíola dos Macacos) na Europa, cuja transmissão pode ser por contacto íntimo, via sexual, tendo a maioria dos casos sido registada em homens que fazem sexo com homens (HSH).(7,8) As hepatites A, B e C podem ter, também, transmissão sexual. O herpes genital e o HPV podem ser transmitidos por contacto da pele com pele, sem que haja penetração. (9)

Este aumento poderá dever-se a um maior diagnóstico, mas também devido a comportamentos sexuais de risco com o uso emergente de redes sociais ou aplicações móveis para encontrar parceiros sexuais, mais contactos sexuais anónimos, prática de sexo anal e oral sem utilização de preservativo, comportamento sexuais em grupo e utilização de drogas antes ou durante relações sexuais.(6)

O diagnóstico das ISTs é muitas vezes tardio (e difícil) pela sua evolução assintomática, clínica inespecífica e insidiosa, estigma e inibição sociocultural na procura de cuidados médicos por queixas sugestivas de IST.(10)

As ISTs afetam negativamente o bem-estar físico, mental e social dos adolescentes, com um grande impacto na sua qualidade de vida. Muitos adolescentes sentem vergonha, diminuição da autoestima e medo do impacto que poderá ter nas suas relações, prejudicando assim a notificação eficaz do(s) parceiro(s).

Alguns fatores relacionados com a prática clínica vêm atrasar o diagnóstico, nomeadamente a dificuldade em abordar este grupo etário (inclusivamente o tema da sexualidade), a desvalorização destas doenças, o desconhecimento médico do diagnóstico e do seu tratamento e a deficiente colaboração com a infecciologia e saúde pública.

Um diagnóstico tardio ou a ausência de tratamento pode ter consequências e sequelas, nomeadamente irite, artrite, doença pélvica crónica, doença inflamatória pélvica (DIP), infertilidade, gravidez ectópica, aborto espontâneo, infeções congénitas, cancro do colo do útero, orofaringe e reto.(11)

A aquisição repetida de ISTs após alguns meses é frequente e constitui um fator de risco para infeção por VIH.(1)

Conhecer os fatores que aumentam o risco de aquisição de ISTs é fundamental. Tabela 1.(1,10)

Algumas ISTs podem ser assintomáticas, no entanto diferentes microrganismos causadores de ISTs podem dar origem a uma sobreposição na apresentação clínica, com um número limitado de síndromes.

Por esse motivo, é útil categorizar as IST’s em grupos major – Síndromes Clínicos. Uma síndrome é o conjunto de sintomas (queixas do doente) e os sinais clínicos (o que o médico observa durante o exame) que caracterizam uma doença.(12) A abordagem sindrómica é a preconizada pela Organização Mundial de Saúde, apresentada na Tabela 2.(11)

Segundo a OMS, deve ser adotada uma abordagem com base no quadro sindromático com tratamento empírico, idealmente com a realização de colheitas adequadas e em que o doente recebe o tratamento no mesmo dia da visita. (11)

Os profissionais de saúde têm um papel crucial na promoção de uma sexualidade saudável, como também na prevenção de ISTs e no seu diagnóstico e tratamento, diminuindo a sua morbilidade e mortalidade. (10)

Promoção e Prevenção

É essencial investir na prevenção de ISTs durante a adolescência, tendo em conta a sua incidência.(13,14) Apesar de os fatores de risco estarem bem definidos, é importante que a abordagem seja a adequada para este grupo etário e integrada numa visão mais abrangente da saúde sexual, que reconhece que no contexto de comportamentos sexuais rotulados como “normais”, nomeadamente em relações monogâmicas e de baixo risco, podem ser adquiridas ISTs. (15)

A abordagem inicial com uma anamnese e exame objetivo completo (Tabela 3) deve ser feita com privacidade, confidencialidade e a sós com o adolescente, livre de julgamentos.(10) Os 5P’s relembram-nos de questões orientadoras que permitem a avaliação da saúde sexual do adolescente e do seu risco: “Partners” número de parceiros e o seu género; “Practices” sexo vaginal, oral ou anal; “Protection” contra IST, como a utilização de preservativo; “Past history” ISTs prévias que podem aumentar o risco de novas infeções; “Prevention of pregnancy” quanto à utilização de métodos contracetivos e de proteção das ISTs. Tabela 4. (1)

A abstinência sexual é uma opção e previne infeção. Em adolescentes com VSA, os métodos de barreira são os mais eficazes na prevenção das ISTs, nomeadamente o preservativo (masculino ou feminino) e o dental dam (barra de látex).(16)

Os preservativos masculinos parecem ser mais eficazes quando comparados com os femininos. (15) Ainda assim, mesmo com a utilização de preservativo pode haver transmissão de ISTs uma vez que os preservativos não cobrem toda a superfície da pele que entra em contato com o parceiro.(16)

É preciso fazer educação para a saúde sexual, informar e potenciar a perceção de risco dos adolescentes, encorajando práticas sexuais seguras, com reforço da importância do uso correto e consistente do preservativo com ensino sobre a sua colocação e disponibilização, se possível.(10,17,18) Há que aconselhar reduzir os consumos de álcool e drogas pela possibilidade de alteração do estado de consciência, resultando em incapacidade de usar os métodos de proteção de forma adequada, na interferência com os métodos usados e o risco de abuso sexual.

O cumprimento do Programa Nacional de Vacinação deve ser confirmado, com destaque para a vacina contra o HPV, VHB e aconselhar a vacina contra o VHA nos grupos de risco.(1) Os adolescentes têm taxas elevadas de colonização para meningococo tipo B e ACWY, estando aconselhada a vacinação neste grupo contra o meningococo para controlar a doença neste grupo etário e reduzir a transmissão. (19) A Vacinação contra infeção humana por vírus Monkeypox está recomendada em grupos com risco acrescido ou pós exposição.(20)

O rastreio organizado do cancro do colo do útero está já implementado e destina-se à população do sexo feminino com idade igual ou superior a 25 anos, com uma periodicidade de 5 em 5 anos.(21)

Depois do contágio estar estabelecido, a identificação e tratamento de adolescentes com ISTs e os seus parceiros é a chave na prevenção de disseminação de ISTs. Para evitar a sua propagação a outros parceiros e evitar a reinfeção devem ser evitadas relações sexuais até esquema terapêutico completo (adolescente e parceiro) ou até 7 dias após esquema de dose única e até ao desaparecimento de sintomas.(2) Todos os parceiros nos últimos 60 dias devem ser avisados que podem estar infetados e devem realizar tratamento, mesmo que assintomáticos. O VIH, Hepatite A, B e C, gonorreia, sífilis e a infeção por Chlamydia trachomatis são doenças transmissíveis de notificação obrigatória. (22)

É importante alertar para as sequelas e complicações de uma IST não tratada. Falta ainda implementar rastreios organizados para a deteção de ISTs emergentes como a pesquisa anual de C. trachomatis e N. gonorrhoeae em mulheres com < 25 anos e sexualmente ativas, idealmente através zaragatoa do exsudado vaginal/cervical com pesquisa por NAAT (Nucleic Acid Amplification

Test - Amplificação de Ácidos Nucleicos) de N. gonorrhoea, C. trachomatis. Estes “rastreios” poderão ser considerados depois da avaliação realizada e realizados oportunisticamente (como por exemplo, aquando da colocação de um DIU). (15)

Mensagens-chave

As ISTs são frequentes na adolescência. Um diagnóstico tardio ou a ausência de tratamento pode ter complicações graves. Para avaliar o risco de ISTs é importante questionar sobre a sua história sexual do adolescente, sintomas e fazer um exame objetivo completo. Na presença de suspeita clínica/diagnóstico de IST deve ser oferecido tratamento ao adolescente e aos parceiros nos últimos 60 dias, mesmo que assintomáticos.

Os profissionais de saúde têm um papel crucial na prevenção de ISTs, no seu diagnóstico e tratamento.

Conteúdos Adicionais

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Bibliografia

1 - Fortenberry JD. Sexually transmitted infections: Issues specific to adolescents - UpToDate [Internet]. [cited 2023 Mar 12]. Available from: https://www.uptodate.com/contents/sexually-transmitted-infections-issues-specific-to-adolescents

2 - AMBOSS. Sexually transmitted infections [Internet]. [cited 2023 Mar 4]. Available from: https://next.amboss.com/us/article/IM0YJg?q=sexually+transmitted+infections

3 - Infeções Sexualmente Transmissíveis - Associação para o Planeamento da Família [Internet]. [cited 2023 Mar 12]. Available from: http://www.apf.pt/infecoes-sexualmente-transmissiveis

4 - European Centre for Disease Prevention and Control. ECDC. Chlamydia Annual Epidemiological Report for 2019. 2021;208(September):707–9.

5 - European Centre for Disease Prevention and Control. ECDC. Gonorrhoea Annual Epidemiological Report for 2019 [Internet]. Surveillance Report. 2021. Available from: https://www.ecdc.europa.eu/sites/default/files/documents/AER-Hepatitis-C-2019.pdf

6 - ECDC. Annual epidemiological report 2019 - syphilis. 2022;(September):1–8. Available from: https://www.ecdc.europa.eu/en/publications-data/syphilis-annual-epidemiological-report-2019

7 - European Centre for Disease Prevention and Control. ECDC. Mpox (Monkeypox) [Internet]. 2022. Available from: https://www.ecdc.europa.eu/en/mpox-monkeypox

8 - European Centre for Disease Prevention and Control. ECDC. Regional Office for Europe Mpox Surveillance Bolletin [Internet]. 2023 [cited 2023 Apr 8]. Available from: https://monkeypoxreport.ecdc.europa.eu/

9 - CDC - Center for Disease Control and Prevention. Sexually Transmitted Infections Treatment Guidelines, 2021 [Internet]. 2021. Available from: https://www.cdc.gov/std/treatment-guidelines/toc.htm

10 - Moleiro P, Arriaga C, Neto S, Rocha G. Abordagem Sindrómica das Infeções Sexualmente Transmissíveis em Adolescentes. Acta Pediátrica Port [Internet]. 2015;(46):414–21. Available from: https://www.spp.pt/UserFiles/file/Seccao_Medicina_Adolescente/IST SPMA.pdf

11 - WHO. Guidelines for the management of symptomatic sexually transmitted infections [Internet]. Guidelines for the management of symptomatic sexually transmitted infections. 2021. 216 p. Available from: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/34370424/

12 - WHO. Training modules for the syndromic management of sexually transmitted infections. 2020;21(1):1–9. Available from: http://journal.um-surabaya.ac.id/index.php/JKM/article/view/2203

13 - Moleiro P. Entrevista ao Adolescente - 14a Escola de Outono de Medicina do Adolescente. (October 2007). Available from: https://www.researchgate.net/publication/322776047_Entrevista_ao_Adolescente_Adolescent_interview

14 - Martins VL, Belo I, Luz A, Moleiro P. Adolescer Saudável: screening and follow-up of risk at school. Einstein (Sao Paulo) [Internet]. 2021;19:eAO5849. Available from: http://rinsad.uca.es/ojs3/index.php/rinsad/article/view/48

15 - Rietmeijer K, UpToDate. Prevention of sexually transmitted infections [Internet]. [cited 2023 Mar 28]. Available from: https://www.uptodate.com/contents/prevention-of-sexually-transmitted-infections

16 - UpToDate. Patient education: Teen sexuality (The Basics) [Internet]. [cited 2023 Mar 28]. Available from: https://www.uptodate.com/contents/teen-sexuality-the-basics

17 - Organon Portugal. contracecao.pt [Internet]. [cited 2023 Mar 20]. Available from: https://contracecao.pt/

18 - Associação para o planeamento da família. Métodos Contracetivos [Internet]. [cited 2023 Mar 20]. Available from: http://www.apf.pt/atuacao

19 - Comissão de Vacinas da SIP SPP. Recomendações sobre Vacinas Extra Programa Nacional de Vacinação. :1–54. Available from: https://www.spp.pt/UserFiles/file/Seccao_Infecciologia/recomendacoes vacinas_sip_final_28set_2.pdf

20 - Direção-Geral de Saúde (DGS). Vacinação contra infeção humana por vírus mpox. 006/2022 [Internet]. 2022;1–21. Available from: https://www.backoffice.dgs.pt/upload/DGSv9/ficheiros/i030064.pdf

21 - Diário da República [Internet]. 1Despacho n.o 8254/2017, 83/2017. 2017. p. 20788–9. Available from: https://dre.pt/dre/detalhe/despacho/8254-2017-108189401

22 - Santos JR, Gonçalves E. Rastreio de Infeções Sexualmente Transmissíveis não víricas nos adolescentes: qual o estado da arte. Nascer e Crescer [Internet]. 2016;25(3):163–8. Available from: https://repositorio.chporto.pt/handle/10400.16/2004