Autores:
Madalena Meira Nisa – Interna de Formação Específica de Pediatria, Serviço de Pediatria, Centro Hospitalar Tondela-Viseu
Joana Magalhães – Assistente de Pediatria, Serviço de Pediatria, Centro Hospitalar Tondela-Viseu
O suicídio é uma das principais causas de morte entre os adolescentes nos países desenvolvidos, sendo de grande importância a prevenção nesta faixa etária e a identificação atempada de jovens em risco.2 Um estudo recente nos EUA revelou que 12% dos adolescentes experienciam, em algum momento, ideação suicida e 4% progridem para o estabelecimento de um plano suicida.10
• Tentativa de suicídio – Lesão autoinfligida com intenção declarada ou inferida de morrer10;
• Suicídio – Tentativa de suicídio que resulta num desfecho fatal10;
• Ideação suicida – Pensamentos sobre morte sem comportamento suicida explícito. Pode ser “passiva”, na qual o doente pensa na sua morte sem qualquer plano concreto, ou “ativa”, com um plano explícito e intenção de agir,10;
• Comportamentos auto-lesivos não suicidas – Automutilação propositada, muitas vezes repetitiva ou estereotipada, com uma motivação diferente da morte, como alívio da dor emocional, autopunição ou tendo em vista ganhos secundários9,10.
A ideação suicida desenvolve-se de forma habitualmente gradual ao longo do tempo, com diminuição progressiva da ambivalência, aumento da ideação e planeamento mais específicos, tornando-se o doente cada vez mais determinado em cometer suicídio.1,9
O período inicial, denominado Síndrome pré-suicida caracteriza-se por1:
• Sentimentos de desesperança, culpa, solidão e incompreensão;
• Ruminações negativas, autopiedade;
• Inatividade e retraimento social;
• Agressão inibida voltada para si mesmo (comportamentos auto-lesivos);
• Fantasias suicidas e planeamento;
• Disforia;
• Sintomas somáticos, distúrbios de sono, fadiga e perda de apetite.
A presença da síndrome pré-suicida deve ser um sinal de alarme de ideação suicida, exigindo um seguimento mais apertado destes doentes e intervenção específica com encaminhamento para Psicologia e/ou Pedopsiquiatria.1
O suicídio geralmente ocorre durante uma crise e raramente acontece na ausência de outros fatores importantes.1 Para que essa crise exista, geralmente é necessário uma predisposição (exemplo: perturbação psiquiátrica), um gatilho (exemplo: conflitos com os pais, conflitos com os pares, término de uma relação amorosa), um facilitador (exemplo: álcool, drogas, identificação com alguém que tenha cometido suicídio) e disponibilidade de um método para realizá-lo.1 O conhecimento destas condicionantes permite intervenções nas várias esferas da crise para diminuir o risco suicida.1
A adolescência é uma fase caracterizada por impulsividade, procura de novas sensações e dificuldade na avaliação do risco, o que a torna suscetível a comportamentos e passagens ao ato com risco de vida.2
Como tal, durante a entrevista ao adolescente, é imprescindível a avaliação biopsicossocial, que permite avaliar fatores protetores e fatores de risco, incluindo o rastreio do risco suicidário. Existem vários acrónimos orientadores para a mesma, nomeadamente o HEEADSSS (H – Home, E – Education, E – Eating, A – Activities, D – Drugs, S – Sexuality, S – Suicide/Low Mood, S – Safety) ou o SSHADESS (S – Strenghts, S – School, H – Home, A – Activities, D – Drugs / Substance use, E – Emotions/Eating, S – Sexuality, S – Safety), sendo que qualquer um deles incide sobre a esfera das emoções e a presença de comportamentos auto-lesivos e/ou ideação suicida.11,12
É recomendado questionar diretamente sobre ideação suicida, o que não aumenta o risco de passagem ao ato.3,2 Este deve ser um tema abordado nas consultas a adolescentes, ganhando ainda maior importância em adolescentes que apresentem alterações do humor, abuso de substâncias, ingestões medicamentosas voluntárias, intoxicação aguda, acidentes ou lesões autoinfligidas.2
A introdução ao tema deverá ser gradual e delicada, num contexto de segurança e confidencialidade.3,2 Falar sobre a morte/suicídio pode ser um alívio para o indivíduo e ser uma oportunidade para planear intervenção e explorar alternativas com o mesmo. Vários exemplos de formas de dirigir esta parte da entrevista11,12:
“Sentes-te com frequência triste / aborrecido / desanimado com a vida?”
“Perdeste o interesse em fazer coisas que anteriormente te davam prazer?”
“Tens passado menos tempo com os teus amigos? Preferes estar sozinho”
“Tens dificuldade de adormecer?”
“Algumas pessoas ficam desanimadas ou zangadas com a vida e pensam em morrer ou magoar-se. Conheces alguém nesta situação? Alguma vez pensaste nisso?”
“Já alguma vez te tentaste auto-lesionar/fazer mal a ti próprio?”
O National Institute of Mental Health disponibiliza uma ferramenta de triagem de risco suicida traduzida para português (clique aqui para aceder) que poderá ser útil na abordagem destes doentes.
A baixa letalidade de alguns comportamentos auto-lesivos não deve impedir que se proceda a uma avaliação sistemática do risco suicidário.2
No mínimo, estes comportamentos são um pedido de ajuda; no pior cenário poderá repetir-se e/ou escalar até ocorrerem sequelas ou morte.
Existem vários fatores de risco individuais que nos devem deixar em alerta para um maior risco suicidário3,1:
• Perturbação psiquiátrica (é comum nestas situações, mas não é obrigatório estar presente);
• Baixa autoestima;
• Problemas no contexto familiar;
• Problemas nas relações sociais, história de bullying;
• Abuso físico ou sexual;
• Consumo de tóxicos;
• Experiências traumáticas;
• Dificuldades no processo de identidade de género;
• Doença física que prejudica gravemente a qualidade de vida;
• Psicopatologia parental;
• Exposição ao suicídio (em membro da família ou amigos).
Se tiverem existido tentativas de suicídio prévias, se estivermos perante um adolescente que tem plano/meios para concretização ou perante qualquer dúvida quando à existência de ideação suicida/risco suicida, o doente deve ser avaliado por Pedopsiquiatria.1,3
Lista de hospitais que dispõem de Urgência Pedopsiquiátrica - presença física 7 dias, 8h às 20h (última admissão às 19h):
• Região Norte:
o Centro Materno Infantil do Norte - Centro Hospitalar Universitário do Porto
• Região Centro:
o Hospital Pediátrico de Coimbra - Centro Hospitalar Universitário de Coimbra
• Região de Lisboa e Vale do Tejo, Região do Alentejo e Região do Algarve:
o Hospital Dona Estefânia – Centro Hospitalar Lisboa Central
Caso o adolescente tenha seguimento em consulta local, poderá ser pertinente contactar o Pedopsiquiatra que o conhece. À data de redação do texto, estão a ser criadas consultas de crise e contactos para as mesmas nos hospitais que têm Pedopsiquiatria mas não Urgência Pedopsiquiátrica.
Na impossibilidade de uma avaliação imediata por Pedopsiquiatria, esta deve ser agendada logo que possível, sob orientação dessa especialidade, e deverá ser realizado um acordo antissuicidário e/ou ser estabelecido um plano de segurança, em conjunto com o jovem e a família.2 Deste deve constar a restrição a meios de auto-lesão, como armas brancas, armas de fogo ou medicação, uma vez que grande percentagem de tentativas de suicídio durante a adolescência ocorre de forma impulsiva.2
Caso não seja possível contactar a Pedopsiquiatria (avaliação realizada para lá do horário de atendimento), pode ser prudente vigilância em Urgência Pediátrica até esse contacto/avaliação estar disponível.
Poderá ser pertinente a disponibilização em sala de espera ou nos gabinetes de folhetos ou cartazes que explicitem recursos e contactos disponíveis perante sentimentos de desesperança e ideação suicida. Isto permitirá atuar não só nos adolescentes observados em consulta, mas também, eventualmente, nos seus pares por transmissão da informação.
Para além do “112” e “SNS24” que poderão orientar estas situações, existem ainda várias linhas de apoio amplamente divulgadas às quais os adolescentes podem recorrer (SOS Voz Amiga, Conversa Amiga, SOS Estudante, Linha LUA, Telefone da Esperança, Telefone da Amizade, Voz de Apoio, SOS Adolescente).
Os pensamentos sobre a morte são comuns e, num número considerável de casos, podem resultar em ação e inclusivamente em morte. O estigma social associado ao suicídio e à doença mental pode ser um obstáculo a procurar ajuda. Desta forma, cabe ao médico que segue habitualmente o adolescente falar sobre o assunto, no âmbito de uma avaliação biopsicossocial que identifique fatores de risco e proteção, detetando as situações de risco e disponibilizando os contactos e recursos para que o adolescente com ideação suicida tenha a ajuda que necessita.
1 – Jans T, Vloet T, Taneli Y, Warnke A. Suicídio e Comportamento Autolesivo. Tratado de Saúde Mental da Infância e Adolescência da IACAPAP. 2018;
2 - Ribeiro H, Ponto A. Urgências Psiquiátricas 2018. 235-247;
3 - Díez J, Miguel A. Urgencias psiquiátricas en la infancia y la adolescencia. I Curso de psiquiatria del niño y del adolescente para pediatras. Tema 18, Módulo 9;
4 – Hawton K, O’Connor R, Saunders K. Suicidal behavior and self-harm. Rutter’s Child and Adolescent Psychiatry, Sixth Edition, Chapter 64;
5 – Gomes A, Camilo C, Abecasis F, Albuquerque J, Marques J, Vieira M, Quintas S. Protocolos de urgência em Pediatria, 4ª edição, 85-96;
6 – Pfeffer C. Child and Adolescent Suicidal Behavior. Lewis’s Child and Adolescent Psychiatry: A Comprehensive Textbook, 4th Edition;
7 – Kutcher S, Chehil S. Gestão de Risco de Suicídio, um manual para profissionais de saúde. 1ª edição, 2007;
8 – Tatz C, Tatz S. The sealed box of suicide. The Contexts of Self-Death. 2019;
9 – Avaliação do risco de suicídio e sua Prevenção – Coleção Guia de Referência Rápida – Prefeitura da cidade do rio de janeiro. 1ª Edição, 2016;
10 – Brent D, Biernesser C. Suicide and Suicidal Behavior in Adolescents and Young Adults, Chapter 70, 589-591;
11 – Doukrou M, Segal T. Fifteen-minute consultation: communicating with young people – how to use HEEADSSS, a psychosocial interview for adolescents. Arch Dis Child Educ Pract Ed 2017;0:1-5;
12 – Fonseca, H. Entrevista Clínica em Medicina do Adolescente. Acta Pediatr Port 2017; 48:334-5.
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