Saúde mental

Bullying

Autores: Joana Pinho, Marta Barros, Raquel Guedes, Hugo Braga Tavares

Unidade Medicina do Adolescente do CHVNGaia/E

Introdução

O bullying é definido como um comportamento intencional que se repete ao longo do tempo e que envolve um desequilíbrio de poder ou força entre a vítima e o agressor. É uma forma de agressão que pode causar danos físicos, emocionais e psicológicos.  

Excluem-se as situações de conflitos ocasionais em que o agressor não tem intenção de causar dano e/ou que ocorrem sem contexto de desigualdade de “força”.

Trata-se de um fenómeno social que pode afetar indivíduos de todas as idades, géneros e meios socioeconómicos e é particularmente prevalente entre crianças e adolescentes, associando-se a repercussões a nível do desempenho académico, bem-estar psico-social e relações sociais, tanto da vítima como do agressor.

Pela sua crescente frequência e valorização, o bullying é hoje em dia um tema comum nas consultas médicas e na sociedade em geral.  É fundamental saber reconhecer estas situações, compreender o seu impacto e orientá-las da forma mais adequada.

Tipos de Bullying

Estão descritas várias formas de bullying de acordo com o tipo de agressão em causa (Tabela 1).

Prevalência

Há uma crescente consciencialização do problema do bullying, o que pode levar a uma falsa sensação de que a sua prevalência está a aumentar. Vários estudos indicam que esta está a diminuir na maioria dos países.

De acordo com o relatório “Behind the numbers: Ending school violence and bullying” da UNICEF 2019, uma em cada 3 crianças já estiveram envolvidas em situações de bullying. A maioria destes confrontos ocorre na escola e em crianças do 2 – 3.º ciclos, sendo as agressões físicas as mais frequentes. O relatório nacional do Health Behaviour in School-aged Children de 2022 aponta para 8,2% de agressores e 18,9% de vítimas de bullying e 9,4% de ciberbullying entre os adolescentes portugueses com idades entre os 12 e os 16 anos.

Embora no geral não se verifique diferença na prevalência de bullying entre sexos, sabe-se que os rapazes têm mais tendência a experienciar agressões físicas e as raparigas as psicológicas (na maioria dos casos associadas a questões de autoimagem).

Quem está em risco? E quais os possíveis fatores protetores?

Apesar de nenhum fator isolado colocar os adolescentes em risco de sofrer bullying, sabe-se que adolescentes com características específicas, que o agressor identifica como distintas, tais como aspetos ligados à sua fisionomia, condição socioeconómica, identidade de género, orientação sexual, deficiência, etnia, religião (entre outros) poderão ser mais suscetíveis de se tornarem alvos. Adolescentes com ansiedade ou depressão, baixa autoestima e fracas competências sociais podem também ser mais vulneráveis ao bullying.

Adolescentes integrados em famílias onde exista agressão, violência ou negligência perante outros membros ou até mesmo contra o próprio, tem probabilidade aumentada de se envolverem, como agressores, em situações de bullying.

A presença de apoio familiar sólido que tenha um papel ativo e precoce na identificação dos episódios de agressão bem como no apoio emocional, tem demonstrado conferir resiliência contra o desenvolvimento futuro de situações de isolamento social, ansiedade e depressão. A promoção de capacidades sociais e criação de rede de amigos é protetor para a ocorrência de bullying.

A existência de um espaço escolar inclusivo que aborde o tema do bullying e implemente estratégias para a sua prevenção e correção protege os adolescentes da sua ocorrência. A escola, juntamente com os pais, tem também um papel ativo na educação para o uso responsável das tecnologias e na prevenção do cyberbullying.

Quem são os intervenientes?

Os episódios de bullying envolvem diferentes intervenientes sendo os mais relevantes a vítima (que é alvo da agressão), os/as agressores/as (que infligem a agressão) e as testemunhas (que observam a agressão).

As vítimas com um papel passivo não reagem às agressões e têm habitualmente uma perceção distorcida de si próprios, apresentando uma personalidade mais ansiosa e insegura. Por outro lado, as vítimas podem apresentar também um perfil agressor quando respondem com violência à agressão de que são alvo.

Quando suspeitar?

Apesar de não existir nenhum sinal ou sintoma que seja específico de bullying, a presença de lesões físicas inexplicáveis, comportamentos auto-lesivos, ansiedade e depressão, isolamento social, alterações do padrão alimentar, dos hábitos de sono e do desempenho escolar, assim como uma recusa sustentada em frequentar a escola e/ou os contextos onde o bullying acontece, devem fazer suspeitar da ocorrência do mesmo.

O bullying é crime?

O bullying desrespeita os princípios do Estatuto do Aluno e Ética Escolar (Lei 51/2012, de 5 de setembro), aplicável ao ensino básico e secundário, que prevê consequências de implementação em ambiente escolar que podem variar de advertência a expulsão da escola.

A partir dos 16 anos, o agressor pode ser acusado de vários crimes, independentemente do espaço onde o bullying ocorre (incluindo o virtual, no caso do cyberbullying), sendo as penas potencialmente aplicáveis dependentes da agressão. Os menores entre 12 e 16 anos, considerados inimputáveis, ficam sujeitos a medidas tutelares educativas que podem incluir a realização de tarefas a favor da comunidade, a adoção de regras de conduta e outras obrigações, frequentar programas formativos ou mesmo o internamento em centro educativo.

Qual o papel do médico nestas situações?

Na suspeita de bullying o médico deverá ter um papel ativo na sua identificação e caracterização, bem como na adequada orientação, fornecendo informação e suporte aos intervenientes e suas famílias.

A realização de uma história clínica detalhada baseada na confiança, confidencialidade e privacidade do jovem, e recorrendo a modelos de avaliação psicossocial permite, na maioria dos casos, detetar as situações de bullying, que, muitas vezes, nas vítimas, podem estar mascaradas por queixas somáticas indiretas, como dor abdominal, vómitos, astenia e cefaleia e/ou alterações de comportamento.

O médico poderá, também, consultar um agressor, devendo explorar os diferentes contextos relacionais do adolescente na procura de predisponentes e/ou desencadeantes para o comportamento abusivo.

O papel do médico passa, também, pelo trabalho ativo com todos os adolescentes, potenciais ou reais testemunhas de situações de bullying, no sentido de os potenciar como agentes ativos na prevenção e sinalização da sua ocorrência.

Independentemente do papel do adolescente avaliado em consulta é necessário caracterizar o(s) episódio(s), esclarecendo pontos importantes como o tipo de bullying, a sua duração e frequência, o local onde ocorre e os diferentes intervenientes. Também é necessário identificar quais os fatores de risco e fatores protetores de forma a prever quais as possíveis consequências e quais as áreas em que deve existir intervenção precoce. Deverão ser excluídas situações de perigo eminente, ideação suicida e abuso sexual ou físico, uma vez que nestes casos é necessária a intervenção de outros profissionais.

Após identificados os casos de bullying e medido o seu impacto nos diferentes intervenientes, o médico deverá elaborar uma intervenção que poderá passar pelo apoio psicológico e/ou pedopsiquiátrico aos intervenientes e suas famílias.

Se o adolescente é vítima, o médico deverá, juntamente com os pais, perceber o que já foi tentado ser feito pelo adolescente e que resultados teve. O adolescente deve ser aconselhado a evitar as situações de conflito, tentar andar acompanhado, e a não responder com violência, procurando um adulto de referência para o ajudar. O adolescente deverá ser ajudado a desenvolver estratégias a adotar num possível próximo episódio que pode passar por não responder ao agressor e olhá-lo também como alguém em sofrimento e que precisa de ajuda. A ausência de eficácia destas medidas poderá indicar a necessidade de envolver um técnico de saúde mental.

Se o adolescente é o agressor deverá ser tentado perceber a razão do seu comportamento e instituídas medidas para o ajudar. No caso do comportamento se manter poderá ser necessário o envolvimento de técnicos de saúde mental.

Nos casos em que o bullying ocorre em ambiente escolar os pais e/ou cuidadores deverão ser aconselhados a expor as situações aos professores e responsáveis, para que, juntos, e em contexto escolar, possam trabalhar em soluções para prevenir novos episódios. Existem modelos de intervenção estruturada, em meio escolar, devidamente validados, que se baseiam na identificação e consciencialização dos agressores e testemunhas, na promoção de empatia e apoio às vítimas e no desenvolvimento da capacidade de expressão e autoconfiança das vítimas para expor estas situações.

Onde procurar informação?

É de extrema importância fornecer aos adolescentes e aos seus pais fontes credíveis de informação. Em Portugal existem várias associações sobre o bullying que trabalham quer na área da informação aos adolescentes e cuidadores, quer na identificação dos casos e na formação nas escolas. São exemplos dessas associações ou projetos:

- No Bully Portugal - https://www.nobully.pt/

- Associação de Apoio à Vítima - https://apavparajovens.pt/pt/go/o-que-e2

- Plano de Prevenção do Bullying e CyberBullying do Ministério da Educação: “Escola sem Bullying. Escola sem violência” - https://www.sembullyingsemviolencia.edu.gov.pt/

- Amnistia Internacional Portugal: Projeto STOP Bullying - https://www.amnistia.pt/projeto-stop-bullying/

- Associação Plano i: Observatório Nacional do Bullying https://www.associacaoplanoi.org/observatorio-nacional-do-bullying/

Mensagens-chave

- O bullying implica um comportamento intencional, repetitivo e que envolve desequilíbrio de poder ou força entre a vítima e o agressor.

- Os intervenientes são: a vítima, os/as agressores/as e as testemunhas.

- Existe uma consciencialização para os casos de bullying, sendo que a prevalência tem vindo a diminuir.

- Os rapazes são mais suscetíveis a agressões físicas e as raparigas a psicológicas.

- O médico tem um papel essencial na identificação e esclarecimento dos casos suspeitos de bullying, centrando a sua abordagem não só no adolescente (vítima, abusador e testemunha) mas também nos cuidadores e até mesmo na escola.

Bibliografia

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18 - Ministério da Educação. Plano de Prevenção do Bullying e CyberBullying “Escola sem Bullying. Escola sem violência” - Available at: https://www.sembullyingsemviolencia.edu.gov.pt/

19 - Associação de apoio à vítima. Bullying. Available at: https://apavparajovens.pt/pt/go/o-que-e2

20 - Amnistia internacional. Projeto STOP Bullying. Availabe at: https://www.amnistia.pt/projeto-stop-bullying/

21 - Plano i. Observatório Nacional do Bullying. Available at: https://www.associacaoplanoi.org/observatorio-nacional-do-bullying/

22 - Tania Gaspar, Fábio Botelho Guedes & Equipa Aventura Social. A Saúde Dos Adolescentes Portugueses Em Contexto De Pandemia – Dados nacionais do estudo HBSC 2022. Availabe at: https://aventurasocial.com/wp-content/uploads/2022/12/HBSC_Relato%CC%81rioNacional_2022-1.pdf

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