Autores:
Helena Fonseca
Professora de Pediatria, Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa
Nos manuais de Saúde Mental, sob a denominação de Perturbações da Ansiedade incluem-se múltiplas entidades:
A ansiedade pode ter múltiplas origens e manifestar-se de muitos modos, tais como: dificuldade em estar quieto/sossegado, irritabilidade, sensação de tensão muscular, dificuldade de concentração, perturbação do sono e fadiga. Situações aparentemente tão díspares podem ser todas manifestações de ansiedade.
Dar um nome às queixas não resolve a situação nem nos faz mais felizes, no entanto, ajuda-nos a entender que debaixo de uma mesma denominação podemos ter situações bem diferentes.
Anna Freud classificou a adolescência como um período de «storm and stress», por outras palavras, de conflito interno. A instabilidade emocional faz parte do ser adolescente.
O stress é uma reação do organismo a uma situação que se perceciona como perturbadora ou fora do controlo e que coloca o indivíduo em estado de alerta.
A pressão em si mesma não constitui um problema. Os estímulos desafiantes são essenciais para o desenvolvimento humano. O que já será problemático é quando a pressão é prolongada ou não a conseguimos controlar.
O stress, normalmente entendido como «mau» é o chamado «distress» que aparece quando o organismo não sabe adaptar-se a uma nova situação e responde de forma desmesurada ao estímulo que essa situação provoca. Neste caso o indivíduo fica incapaz de pensar e de se concentrar, e mesmo quando o estímulo cessa, o corpo não sabe como voltar ao estado normal.
No processo contínuo de interação do adolescente com aquilo que são os seus contextos de vida, em que vai tendo de lidar com as várias questões que lhe surgem, o stress pode surgir em consequência de uma desarmonia entre as exigências e as capacidades, as necessidades e os recursos do adolescente.
O mesmo nível de stress não se repercute do mesmo modo em cada indivíduo. Há adolescentes que são mais vulneráveis aos efeitos adversos do stress do que outros.
Entre eles estão:
- Os adolescentes com baixa autoestima.
- Os adolescentes que se sentem diferentes (p. ex.: por orientação sexual minoritária ou por alguma alteração física ou doença crónica).
- Os adolescentes que sofreram perdas significativas (morte ou separação dos pais).
- Os adolescentes que foram abusados física, sexual ou emocionalmente.
- Os filhos de pais com adições ou doenças mentais.
- As vítimas de guerra, de privação económica, os sem-abrigo, os institucionalizados, os imigrantes e refugiados.
Infelizmente, com o objetivo de aliviar o stress, o indivíduo recorre frequentemente a hábitos menos saudáveis, tais como a ingestão de bebidas alcoólicas, tabaco ou outras drogas. É muito frequente vermos adolescentes e adultos jovens que fumam “erva” com o objetivo de aliviar o stress. Uma alimentação desequilibrada, seja por excesso, frequentemente com crises de voracidade alimentar (binge eating) é outra estratégia desajeitada para tentar lidar com o stress.
Em contexto de consulta, uma entrevista bem conduzida é essencial. O seu sucesso advém de uma combinação entre a empatia, a utilização de estratégias de comunicação adequadas, o humor e a utilização de uma linguagem que crie encontro.
Não interessa só o que o adolescente verbaliza. Tanto ou mais importante é o que não diz, ou o que ainda não diz. O treino para captar indícios não verbais passa por ler as emoções do adolescente com base no seu tom de voz, postura e expressão facial, reconhecer os seus sentimentos através, por exemplo, da leitura do rosto. Mostrar compreensão pelos sentimentos expressos e agir de uma forma compassiva ajuda muito à interação. Criar uma empatia inicial e alimentar a ligação emocional acabam a longo prazo por poupar tempo e permitir ganhar em eficácia.
Como ajudar a transformar o stress mau em stress bom? Facultando recursos que promovam a adaptação e o coping. Por outras palavras, transformando o stress mau numa oportunidade de crescimento.
Não nos esqueçamos que muitos dos comportamentos de risco não são mais do que estratégias desajeitadas para lidar com o stress.
São vários os passos para ajudar o adolescente a definir um plano de mudança:
1. Identificar e avaliar o agente stressante.
2. Ajudá-lo a lidar com as emoções.
Há várias estratégias úteis para tentar controlar as emoções:
- Concentrar-se numa memória agradável (uma paisagem, uma cena das últimas férias que se recorde com prazer).
- Descobrir atividades de tempos livres que proporcionem satisfação.
- Mudar de local ou de atividade (sair da divisão em que se está ou ir à rua, telefonar a um amigo, tomar um banho relaxante).
3. Avaliar os prós e os contras, os benefícios e os custos de um determinado comportamento, favorecendo a mudança.
4. Começar a desenvolver estratégias positivas saudáveis que permitam lidar com os problemas que estão na origem do stress.
5. Manter-se saudável (alimentar-se e dormir bem, praticar exercício físico) para conseguir concretizar o plano.
6. Libertar a tensão emocional.
Para ajudar o adolescente a libertar a tensão emocional, podemos convidá-lo a:
- Partilhar as preocupações que lhe estão a gerar ansiedade.
- Desenvolver atividades criativas (arte, música, dança, …). O trabalho com barro, por exemplo, tem sido identificado como muito terapêutico, permitindo descarregar as emoções negativas no contacto com o material. A jardinagem, o contacto com a terra, tem um efeito semelhante.
- Promover a prática de um desporto ou, simplesmente, fazer caminhadas rápidas de 30 minutos, três a cinco vezes por semana, pode ser uma grande ajuda para gerir melhor o stress. O exercício físico liberta no cérebro substâncias, as endorfinas, que são neuromediadores ligados à génese do bem-estar e do prazer.
- Escrever, descarregar as emoções numa folha de papel.
- Fazer trabalho voluntário, com o espírito de contribuir para o bem dos outros.
- Ter um contacto mais direto com a natureza.
- Iniciar-se na meditação.
Uma teoria que nos últimos anos tem sido apontada como podendo ter uma contribuição positiva para a prevenção e controlo do stress é o constructo de mindfulness. Através do exercício de uma atenção focalizada sobre as sensações e emoções do momento presente (independentemente do quanto possa ser difícil ou intenso), sem questionar o passado ou o futuro, há evidência de que se conseguem minimizar muito eficazmente os sintomas de ansiedade.
A atenção regula a emoção. Esta autorregulação emocional é fulcral para a vida e pode ser estimulada através da exercitação da força de vontade e da persistência. Tal como no exercício físico, quantas mais repetições, mais forte o músculo se torna. Esta capacidade pode ser treinada.
As técnicas de meditação baseiam-se exatamente neste processo.
A promoção da saúde bebeu muito do paradigma salutogénico e do sentido de coerência (SCO) desenvolvido por Antonovsky. O SCO entra em linha de conta, simultaneamente, com vários aspetos da pessoa humana (a afetividade, as redes informais e formais de apoio social, os aspetos cognitivos). Um SCO fortalecido consegue lidar com a tensão de um modo saudável.
Estudos que envolveram ressonância magnética funcional mostraram que quando nos debatemos com aspetos negativos, as áreas cerebrais ativadas geram ansiedade, conflito e tristeza, enquanto o foco nos aspetos positivos ativa a rede de circuitos cerebrais ligados à recompensa e às áreas das sensações boas e das memórias felizes. Estas descobertas conduzem-nos à necessidade de trabalharmos com o adolescente a importância de nos focarmos mais nos nossos pontos fortes do que nas fraquezas.
- Sob a denominação de Perturbações da Ansiedade incluem-se múltiplas entidades.
- O sucesso de uma entrevista clínica bem sucedida advém da combinação entre a empatia, a utilização de estratégias de comunicação adequadas, o humor e a utilização de uma linguagem que crie encontro.
- Muitos comportamentos de risco não são mais do que estratégias desajeitadas para lidar com o stress. Importa facilitar/ajudar o jovem a fazer escolhas dentro de um leque de estratégias positivas de coping.
- Para ajudar a transformar o stress mau em stress bom, podemos facultar recursos que promovam a adaptação e o coping, transformando o stress mau numa oportunidade de crescimento.
1 - Aaron Antonovsky, How people manage stress and stay well,Jossey-Bass Publishers, San Francisco, 1988.
2 - DanielGoleman, Foco – o motor oculto daexcelência, Círculo de Leitores, Lisboa, 2014.
3 - Diagnostic and statistical manual of mental disorders DSM-5, 5th edition, American Psychiatric Association. American PsychiatricPublishing. Washington DC, 2013.
4 - Kenneth Ginsburg, Sara Kinsman, Reaching Teens, American Academy ofPediatrics, Elk Grove Village, 2014.
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