O sono na

adolescência

Autores:

João Henrique, Interno de Formação Específica de Medicina Geral e Familiar, Unidade de Saúde Familiar Tondela,

Frederico Rosário, Consultor em Medicina Geral e Familiar, Unidade de Saúde Familiar Tondela,

Maria Inês Santos, Consultor em Pediatria com diferenciação em Medicina do Adolescente, Coordenadora da Unidade de Pediatria da Casa de Saúde São Mateus, Hospital,

Introdução

O sono é uma necessidade básica do ser humano e é essencial para a manutenção da saúde e uma boa qualidade de vida,1 de tal forma que passamos quase um terço da nossa vida a dormir. Um sono de boa qualidade pode ser definido como um padrão de sono-vigília adaptado às necessidades individuais, sociais e ambientais, que promove o bem-estar físico e mental.2

Fisiologia

O sono apresenta um padrão estrutural alicerçado em episódios de duração idêntica chamados ciclos. Os fatores envolvidos na geração de cada ciclo são complexos e incluem uma ampla variedade de neurotransmissores e neuromoduladores, bem como diversos fatores3 que podem condicionar a qualidade de sono. Destes destacam-se os associados ao estilo de vida e ao ambiente a que estamos expostos e que podem condicionar alterações nos padrões normais de sono.1

Entre os fatores que mais influenciam negativamente o sono estão o excesso de peso / obesidade, dor crónica, ansiedade, compartilha de cama / quarto, horário de início da atividade escolar antes das sete horas da manhã, realização de sestas, tempo de exposição a ecrãs superior a duas horas por dia, atividade física de duração inferior a uma hora por dia, horário de adormecer irregular, utilização de dispositivos eletrónicos na hora de adormecer e o não cumprimento das medidas de higiene do sono.3,4

O período da adolescência apresenta características biológicas e de hábitos de sono que o diferenciam das restantes fases da vida e que podem favorecer o aparecimento de situações patológicas.3 As características diferenciadoras da estrutura do sono no adolescente incluem um período circadiano intrínseco mais longo, a rondar as 25 horas, enquanto que este valor ronda as 24,5 horas na população em geral, o que indica que a tendência para o atraso do início do sono é fundamentalmente de índole biológica, mais do que social.

As necessidades de sono permanecem constantes durante toda a adolescência, mas a sua distribuição varia em função da maturação, verificando-se uma correlação positiva entre o tempo de início da secreção de melatonina e o estadio de Tanner. Independentemente destas variações, os adolescentes são mais vulneráveis ao défice de sono comparativamente aos outros grupos etários.3

Epidemiologia

A preocupação com a saúde do sono nos adolescentes tem vindo a aumentar a nível mundial com vários países a relatar elevadas incidências de distúrbios do sono neste grupo etário.4 Dados recentes de um estudo realizado a cada quatro anos em Portugal, com uma amostra representativa de alunos entre o 6º e o 10º ano, mostram dados preocupantes. Nesta amostra, 68,6% dos adolescentes refere dormir pouco, quase todos (84,6%) refere custar-lhe acordar de manhã e 14,6% refere tomar medicação para adormecer!5 Reveste-se assim, da maior importância abordar esta questão em consulta com adolescentes.

Etiologia das perturbações do sono

A principal causa de perturbação do sono no adolescente prende-se com uma higiene do sono pobre. Outra causa muito prevalente de perturbação do sono nos adolescentes relaciona-se com a tendência biológica para o atraso na fase de secreção de melatonina, como mencionado anteriormente, o que explica a dificuldade em ir para a cama cedo e levantar cedo. Isto cria um círculo vicioso de privação de sono e sintomas de jet-lag.

Um extremo desta variação biológica é o síndrome de atraso de fase, um distúrbio do ritmo circadiano do sono com uma prevalência de 0,2%-10%. Esta síndrome caracteriza-se por insónia inicial e dificuldade em acordar pela manhã no horário desejado, conduzindo a sonolência diurna. Adolescentes com este distúrbio apresentam os parâmetros de sono, a melatonina e o ciclo da temperatura corporal com atraso relativamente ao normal, o que condiciona dificuldade em adormecer nos horários socialmente aceites; contudo, uma vez iniciado o sono, este é de características normais. Esta situação resulta numa privação crónica do sono, que se manifesta com sonolência diurna excessiva, cansaço, baixo desempenho escolar e défice de atenção. Quando o sono tem uma duração normal e o adolescente acorda descansado, como acontece aos fins-de-semana, o seu rendimento durante o dia é muito superior.3

Apesar da higiene pobre do sono e da síndrome de atraso de fase serem das causas mais frequentes de perturbação do sono na adolescência, não se pode descurar a possibilidade de outras patologias perante um adolescente com evidente perturbação do sono. Dentro destas podemos considerar dois grandes grupos: a patologia primária do sono e outras patologias com especial repercussão no sono.

Relativamente ao primeiro grupo, das patologias primárias do sono, podemos referir a narcolepsia, a síndrome de Klein-Levin e a síndrome das pernas inquietas3. Dado tratarem-se de patologias raras, fica apenas a sua menção.

Em relação ao segundo grupo, de outras patologias com repercussão no sono, destacam-se a síndrome da apneia obstrutiva do sono e a psicopatologia, sendo as mais prevalentes a síndrome depressiva e as perturbações da ansiedade.

A síndrome da apneia obstrutiva do sono caracteriza-se por uma obstrução total ou parcial da via aérea superior que altera a ventilação normal durante o sono e os seus padrões normais. São sintomas desta síndrome a roncopatia, apneia e despertares noturnos. Na maioria dos casos estão presentes alterações estruturais da orofaringe como a hipertrofia amigdalina.3

Em relação à psicopatologia na adolescência recomenda-se a leitura dos respetivos textos de apoio neste âmbito.

Não podemos ainda deixar de referir o consumo de substâncias psicoativas, tão frequente neste grupo etário, como a cafeína, não esquecendo as bebidas energéticas, o álcool e as substâncias ilícitas, também com conhecidos efeitos deletérios no sono.

Consequências das perturbações do sono

As alterações dos padrões normais do sono acima descritas podem ter consequências importantes na saúde dos adolescentes, que vão desde alterações metabólicas e aumento de peso (pensa-se que alterações na leptina e grelina podem ter um papel importante nesta relação), maior tendência para desenvolver patologia depressiva e ansiosa, perturbação na atenção e concentração, irritabilidade, alterações no raciocínio e nas capacidades psicomotoras, o que pode estar na génese de alterações importantes do desempenho cognitivo e consequente redução do desempenho académico. 3,6

Abordagem e Conselhos

Dada a prevalência das perturbações do sono, será importante incluir este tema em todas as consultas programadas neste grupo etário

Relativamente à abordagem dos adolescentes cujo motivo de consulta é uma perturbação do sono, como nas demais patologias, importa realizar uma anamnese completa, com a abordagem biopsicossocial que deve caracterizar a entrevista neste grupo etário, assim como o exame objetivo. Importa identificar causas tratáveis de perturbação do sono, sejam elas primárias ou secundárias.

O papel do médico de família na orientação das perturbações do sono na adolescência é essencial não só na identificação precoce do problema, mas também na orientação para consulta especializada das situações que careçam de esclarecimento ou terapêutica farmacológica. Tem ainda um papel crucial na promoção de estilos de vida saudáveis e de medidas de higiene do sono, nomeadamente:

- Promoção de um horário regular para dormir e acordar

- Evitar sestas

- Evitar o consumo de substâncias psicoativas

- Praticar exercício físico regularmente, de preferência pelo menos 4 horas antes de dormir

- Dormir num quarto sem luz e sem ruído, com temperatura apropriada e roupa da cama confortável

- Retirar/não levar dispositivos eletrónicos do quarto

- Fazer refeições ligeiras à noite e,

- Promoção de estilos de vida saudáveis!

Mensagens-Chave

- O período da adolescência apresenta características que podem favorecer o aparecimento de alteração do padrão normal do sono.

- As principais causas de perturbação do sono no adolescente prendem-se com uma higiene do sono inadequada ou a síndrome de atraso de fase.

- O papel do médico de família na orientação das perturbações do sono na adolescência é essencial não só na identificação precoce e orientação para consulta especializada, mas também na promoção de estilos de vida saudáveis e de medidas de higiene do sono.

Bibliografia

1 - World Health Organization. Regional Officefor Europe. (‎2004)‎. WHO technical meeting on sleep and health: Bonn Germany,22–24 January 2004. World Health Organization. Regional Office for Europe.https://apps.who.int/iris/handle/10665/349782

2 - Buysse DJ. Sleep health: can we define it? Doesit matter? Sleep. 2014 Jan 1;37(1):9-17. doi: 10.5665/sleep.3298. PMID: 24470692; PMCID: PMC3902880.

3 - I., H.V.M. et al. (2021) Medicina de laAdolescencia: Atención integral. Majadahonda, Madrid: SEMA, SociedadEspañola de Medicina de la Adolescencia.

4 - Chen, Ting;Wu, Zengqiang; Shen, Zhifei; Zhang, Jun; Shen, Xiaoming; Li, Shenghui (2014).Sleep duration in Chinese adolescents: biological, environmental, andbehavioral predictors. SleepMedicine, 15(11), 1345–1353. doi:10.1016/j.sleep.2014.05.018

5 - Aventura Social e Saúde. HBSC. DadosNacionais 2022. (Disponível emhttps://aventurasocial.com/wp-content/uploads/2022/12/HBSC_Relato%CC%81rioNacional_2022-1.pdf)

6 - Kansagra S.Sleep Disorders in Adolescents. Pediatrics. 2020 May;145(Suppl 2):S204-S209.doi: 10.1542/peds.2019-2056I. PMID: 32358212.

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