Doenças preveníveis pela vacinação

Meningite

Autores:

Inês Campos Pinto, Interna de Formação Específica de Medicina Geral e Familiar, Membro do GESIJ, USF Ria Formosa – Faro; 

Ana Rita Correia, Assistente em Medicina Geral e Familiar, USF Ria Formosa – Faro

1. Introdução e epidemiologia

A doença meningocócica é causada pela bactérica Neisseria meningitidis. Existem 12 grupos descritos, com base na cápsula polissacarídea, mas a maioria dos casos de doença invasiva meningocócica (DIM) é causada pelos grupos A, B, C, Y, W e X.

Todos podem causar surtos ou epidemias, com variações temporais e distribuição geográfica não uniforme. Na Europa e no continente americano, o grupo B é o predominante, seguido pelo C. Em Portugal, a percentagem de infeções pelo grupo B foi de 90,5% e 59,8%, em 2008 e 2010, respetivamente e, em 2017 e 2018, 62,5% e 70% das estirpes identificadas ainda pertenciam a este grupo. O grupo A é o dominante em África e na Ásia.

A DIM é pouco frequente nos países industrializados e ocorre, essencialmente, nos meses de inverno e primavera  e em lactentes/crianças pequenas.

A DIM causada pelo grupo W tem estado a aumentar em vários países, estando em causa uma estirpe hipervirulenta, que frequentemente se apresenta com manifestações clínicas atípicas e mortalidade elevada.

O Homem é o único reservatório conhecido de N. meningitidis. A bactéria coloniza, essencialmente, as superfícies mucosas da oro e nasofaringe e, menor grau, o trato urogenital e canal anal. Ainda que a taxa de colonização seja variável ao longo da vida, parece atingir um pico na adolescência e no adulto jovem, com cerca de 5 a 10% de portadores assintomáticos.

O estado de portador pode variar entre dias, semanas ou meses, e a transmissão é, essencialmente, por via de secreções respiratórias.

No PNV estão contempladas as vacinas  conjugada contra o grupo C (2006) e grupo B (2020),não existindo programa de vacinação de adolescentes. A maioria dos países na Europa tem programas de vacinação de adolescentes, que se mostra o grupo com taxas mais elevadas de colonização.

2. Manifestações clínicas

O período de incubação é, em média 3 a 4 dias, podendo variar entre 1 a 10 dias (média de 2 a 7). Este período corresponde ao período de transmissibilidade.

Após a adesão à mucosa, as bactérias são transportadas por vacúolos fagocíticos ligados à membrana e, num período de 24h estão expressos na submucosa, perto de vasos e células imunes da oro/nasofaringe. Na maioria dos casos, a colonização origina infeção subclínica ou sintomas leves. No entanto, em cerca de 10 a 20% dos casos, a N. meningitidis entra na corrente sanguínea, podendo iniciar a fase bacteriémica com elevada replicação do microrganismo.

Classicamente, a doença sistémica aparece a par do desenvolvimento da meningococemia e, regra geral, precede a DIM (doença invasiva meningococica) em 24 a 48h. O início agudo de cefaleia intensa, febre, náuseas, vómitos, fotofobia e rigidez do pescoço são os sinais e sintomas mais característicos; contudo nem sempre presentes simultaneamente.

O exantema/lesões purpúricas são sinal de evolução de doença grave, nomeadamente sépsis meningocócica, com ou sem meningite. A letargia e sonolência surge frequentemente nesta condição, sendo o estupor ou coma menos comum, mas preditores de mau prognóstico. Em cerca de 40% das crianças com meningite ocorrem crises convulsivas, a maioria com início focal.

3. Características das vacinas e esquema posológico

Tabela 1. Resumo das características e esquema posológico a partir dos 2 anos de idade (MenB).

Tabela 2. Resumo das características e esquema posológico (MenACWY).

1Recomenda-se 3 doses em indivíduos com risco acrescido de doença meningocócica e em situações de surto, num esquema de 2 doses com pelo menos 1 mês de intervalo, seguidas de uma 3ª dose, administrada, pelo menos, 4 meses após a 2ª dose.

2A indivíduos previamente imunizados com idade igual ou superior a 12 meses, Nimenrix® poderá ser administrado como uma dose de reforço, caso tenham sido primovacinados com uma vacina meningocócica polissacárida simples ou conjugada.

3Pode ser administrada como uma dose de reforço em indivíduos que receberam previamente vacinação primária com Menveo®, outra vacina meningocócica conjugada ou uma vacina meningocócica e polissacarídica não conjugada.

4. Indicações e precauções

Crianças e adolescentes com asplenia anatómica ou funcional, hipoesplenismo, Défice congénito de complemento e sob terapêutica com inibidores do complemento (Eculizumab) recebem a vacina contra o meningococo B, de acordo com a Norma 07/2016 e 016/2016 da DGS, e a vacina contra N. meningitidis ACWY (PNV2017).

Em indivíduos imunocomprometidos, a vacinação poderá não resultar numa resposta apropriada dos anticorpos de proteção.

Apesar da infeção do VIH não constituir uma contraindicação, a Menveo® não foi especificamente avaliada em doentes imunocomprometidos.

Relativamente à Bexero®, a cápsula de fecho da ponta da seringa pode conter látex de borracha natural. Apesar do risco de desenvolvimento de reações alérgicas ser muito baixo, deve considerar-se o benefício/risco antes de a administrar a indivíduos com história de hipersensibilidade ao látex.

5. Efeitos adversos

Os efeitos laterais destas vacinas são sobretudo locais, conjuntamente com alta prevalência de febre ≥38ºC, cefélias, mialgias, diarreia e náuseas.

6. Mensagens chave

- MenB:

Vacinar crianças não contempladas no PNV e adolescentes, a título individual, nos esquemas recomendados. Após a primeira dose, deve ser utilizada a mesma vacina, uma vez que não há dados que demonstrem que sejam intermutáveis.

No caso da Bexsero®, as vacinas do PNV podem ser administradas em simultâneo.

- MenACWY:

Vacinar crianças e adolescentes, a título individual, nos esquemas recomendados; Viajantes com estadias prolongadas ou residentes em países com doença hiperendémica ou epidémica e sempre que exigido pela autoridade local; A vacinação poderá ser feita em qualquer idade embora, atendendo à epidemiologia europeia, em que a incidência é mais elevada no primeiro ano de vida, e às idades dos casos de DIM por MenW que ocorreram em Portugal. Dado que a recomendação tem um carácter individual, este benefício será potencialmente maior se a mesma for iniciada o mais precocemente possível para conferir proteção direta; A administração de uma dose desta vacina aos 12 meses de idade, dispensa a administração da vacina conjugada contra o grupo C incluída no PNV.

A Trumenba® pode ser administrada com dTPa-VIP, Tdpa, HPV de quatro genótipos e MenACWY.

As vacinas conjugadas ACWY demonstraram ser imunogénicas e seguras. A experiência no Reino Unido mostrou uma redução importante da doença nos vacinados e que parece estar a ser observada também nos não vacinados. Vários países europeus já as introduziram no PNV, a maioria na adolescência, para controlar a doença neste grupo etário (proteção direta) e para reduzir também a doença nos outros grupos etários (imunidade de grupo).

Este segundo objetivo só poderá ser atingido se as coberturas vacinais forem elevadas, o que habitualmente só é conseguido com vacinas incluídas em PNV. Em Portugal, estando a vacina apenas no mercado privado, a vacinação tem como objetivo a proteção direta.

Bibliografia

1 - Recomendações sobre Vacinas Extra Programa Nacional de Vacinação 1 [Internet]. [cited 2023 May 4]. Disponível em: https://www.spp.pt/UserFiles/file/Seccao_Infecciologia/recomendacoes%20vacinas_sip_final_28set_2.pdf

2 - Recomendações vacinas – Sociedade Portuguesa de Medicina do Viajante [Internet]. [cited 2023 May 4]. Disponível em: https://spmv.simposium.pt/media/13961/Recomendacoes_Vacinas_SPMV_Ed01-2018.pdf

3 - ANEXO I RESUMO DAS CARACTERÍSTICAS DO MEDICAMENTO [Internet]. [cited 2023 May 4]. Disponível em: https://www.ema.europa.eu/en/documents/product-information/menveo-epar-product-information_pt.pdf

4 - RECOMENDAÇÕES SOBRE VACINAS EXTRA PROGRAMA NACIONAL DE VACINAÇÃO ATUALIZAÇÃO 2015/2016 Comissão da Vacinas SIP-SPP Novembro 2015 [Internet]. [cited 2023 May 4]. Disponível em: https://www.spp.pt/UserFiles/file/Comissao_de_Vacinas/Recomendacoes%20sobre%20vacinas%20extra%20PNV%202015-2016.pdf

5 - Vasudeva SS. Meningitis: Practice Essentials, Background, Pathophysiology [Internet]. Medscape.com. 2019. Disponível em: https://emedicine.medscape.com/article/232915-overview

6 - Meningococcal Meningitis Clinical Presentation: History, Physical Examination [Internet]. emedicine.medscape.com. Disponível em: https://emedicine.medscape.com/article/1165557-clinical

7 -ANEXO I RESUMO DAS CARACTERÍSTICAS DO MEDICAMENTO [Internet]. Disponível em: https://www.ema.europa.eu/en/documents/product-information/nimenrix-epar-product-information_pt.pdf

8 - ANEXO I RESUMO DAS CARACTERÍSTICAS DO MEDICAMENTO [Internet]. Disponível em: https://www.ema.europa.eu/en/documents/product-information/bexsero-epar-product-information_pt.pdf

9 - ANEXO I RESUMO DAS CARACTERÍSTICAS DO MEDICAMENTO [Internet]. [cited 2023 May 4]. Disponível em: https://www.ema.europa.eu/en/documents/product-information/trumenba-epar-product-information_pt.pdf

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