Autores:
Daniela T. Peixoto1
Interna de Formação Específica de Pediatria, Centro Hospitalar do Baixo Vouga Hospital Pediátrico. Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, Coimbra, Portugal
Rita Freitas Coutinho2
Pediatra Assistente, Hospital Pediátrico, Centro Hospitalar eUniversitário de Coimbra, Coimbra, Portugal
A telemedicina surgiu em Portugal há quase três décadas, mas foi no contexto da pandemia de COVID-19 que, através da teleconsulta, ganhou destaque, tornando-se numa ferramenta fundamental e na solução para manter o acompanhamento dos doentes.(1,2) Apesar dos desafios em prestar serviços remotamente, as vantagens oferecidas por este método, quer aos doentes, quer aos profissionais de saúde, preveem a sua ampla utilização no futuro.(3-5)
- Maior dificuldade em garantir a privacidade e a confidencialidade na videoconsulta dos adolescentes, uma vez que se acompanham frequentemente pelos pais ou cuidadores.
- Dificuldade em estabelecer empatia médico-adolescente.
- Deteção de sinais de alarme mais difícil em situações agudas, com maior risco de deterioração do estado geral.(5)
Benefícios(5-7)
- Melhora a acessibilidade aos cuidados de saúde (evita o absentismo escolar/trabalho, reduz os custos associados às deslocações, facilita o acesso dos habitantes de meios rurais).
- Melhora a articulação de cuidados e facilita a avaliação multidisciplinar, uma vez que vários profissionais podem estar em conjunto na mesma consulta.
- Promove mais segurança e reduz o risco de contágio em adolescentes com maior risco de doença grave.
- Permite a vigilância num formato híbrido (complemento às consultas presenciais) em casos de doença crónica.
- Avalia o adolescente no seu ambiente natural.
- Reduz o estigma na procura dos serviços de saúde, principalmente em consultas de saúde mental ou de sexualidade.
Desafios(5-7)
- Exige a disponibilidade de meios tecnológicos e uma boa ligação de internet para evitar interrupções da consulta.
- Não garante a privacidade e confidencialidade do adolescente.
- Dificulta a concentração dos adolescentes mais novos, que podem não conseguir estar ao computador durante todo o período de consulta.
- Pode prejudicar a relação médico-doente devido ao distanciamento físico e menor comunicação não verbal (impossibilita a observação presencial do comportamento, postura e aspetos físicos do adolescente, assim como a interação com os pais/cuidadores).
- Dificulta o diagnóstico uma vez que não se realiza o exame físico completo.
- Dificulta a deteção de sinais de alarme em casos de patologia aguda ou em questões de abuso, negligência ou maus-tratos (por exemplo sinais físicos, alteração de comportamento ou na relação com os pais ou cuidadores).
- Dificulta a assistência remota quando os adolescentes apresentam um comportamento difícil (ex. ansiedade,comportamento de oposição…) ou quando a segurança está em risco (por exemplorisco iminente de comportamentos lesivos ou tentativa de suicídio).
Antes da videoconsulta(5, 8-11)
- Compreender as questões práticas, éticas e legais,uma vez que a videoconsulta poderá aumentar o erro médico.
- Considerar se a videoconsulta é adequada, de acordo com as características do doente (idade, ambiente psicossocial, condição médica, suas preferências) e o motivo e os objetivos da consulta.
- Informar e esclarecer os adolescentes e/ou os pais/cuidadores sobre o que é possível com a videoconsulta, de forma a gerir expectativas.
- Averiguar as condições tecnológicas e a capacidade da sua utilização. A videoconsulta poderá realizar-se no domicílio, na escola ou noutros locais.
- Deverá ser respeitada a relação médico-doente, mantendo a confiança mútua, a independência de opinião do médico, a autonomia do doente e a confidencialidade.
- A primeira consulta deve ser sempre presencial. A videoconsulta só deverá ser realizada quando o médico tiver uma ideia clara e justificável da situação clínica.
- As teleconsultas podem ser do tipo programado ou urgente.
- Todas as situações potencialmente graves não devem ser avaliadas em teleconsulta.
- No Serviço Nacional de Saúde, as teleconsultas programadas seguem os procedimentos da Consulta a Tempo e Horas (CTH), sendo o seu financiamento regulado pelas Normas em vigor da Administração Central do Sistema de Saúde, I.P.
- O médico que usa os meios da telemedicina e não observa presencialmente o doente, deve avaliar cuidadosamente a informação recebida, só podendo dar opiniões, recomendações ou tomar decisões médicas, se a qualidade da informação recebida for suficiente e relevante.
- Na utilização da telemedicina em situações de urgência, pode a opinião do médico teleconsultado ser baseada numa informação incompleta, mas nesta situação excecional o médico assistente é responsável pela decisão a tomar.
- O doente submetido a teleconsulta deve estar consciente e manifestar o seu acordo com a mesma, pelo que é obrigatório o seu consentimento informado ou dos tutores legais, que deve ser dado por escrito, de acordo com a Norma nº 015/2013 de 03/10/2013, ficando anexado ao processo clínico. (anexo I)
Durante a videoconsulta(2,5,6,12,13)
- Verificar no início da consulta a identidade dos participantes e das pessoas em redor. Em caso de dúvida, a consulta deverá ser cancelada.
- Manter a privacidade e a confidencialidade. Algumas estratégias podem ser utilizadas, como por exemplo a utilização de um vídeo a 360º para averiguar o ambiente e verificar quem está presente, o uso de headphones, o uso do chat e/ou utilizar questões de resposta sim ou não. Podem também ser utilizados dispositivos diferentes para o adolescente e pais/cuidadores e o doente poderá fazer upload de fotografias. Se a privacidade não for garantida, deverá indicar-se no consentimento informado ou no registo da consulta.
- Iniciar a consulta de forma estratégica de forma a melhorar a comunicação. A consulta poderá iniciar-se com pequenos jogos pergunta-resposta (por exemplo questionar sobre programa de TV/tipo de música/atividade/comida favoritos, número de irmãos). Pode ser pedido ao adolescente para desenhar ou podem ser feitos jogos/desenhos partilhados.
- Dar ênfase ao tom de voz, expressão facial, contato ocular ou gestos como estratégias de comunicação e de relacionamento, uma vez que a comunicação não verbal é escassa.
- Em adolescentes com comportamento e interação mais difícil poderá pedir-se aos pais/cuidadores para desligar a imagem da câmara do adolescente no ecrã, posicionarem o adolescente não muito próximo do ecrã ou trazerem-no para trás da câmara para responder a uma questão.
- Estruturar a consulta de modo a gerir o tempo adequadamente. Por exemplo, em adolescentes com PHDA, ansiedade, ou alterações cognitivas/intelectuais, o tempo de exposição ao écrã durante a consulta deverá ser reduzido ao máximo, pelo que informações relativas à terapêutica ou seguimento poderão ser dadas apenas ao pai/cuidador no final da consulta.
- Utilizar o sistema de organização HEEADSSS (ferramenta que ajuda a compreender a história psicossocial e é eficaz no estabelecimento do diálogo com os adolescentes) sempre que seja garantida a privacidade e confidencialidade. (Clique para aceder ao artigo sobre a entrevista ao adolescente)[1]
- O exame objetivo deverá basear-se no relato do doente, na observação direta através do ecrã ou de fotografias ou vídeos. A somatometria ou os parâmetros vitais (por exemplo Tensão Arterial, Frequência Cardíaca) podem ser fornecidos pelo doente ou pai/cuidador caso tenham condições para o fazer. Poderão ser organizadas visitas domiciliárias pelas equipas de enfermagem para realizar a vigilância de alguns dados.
Após a videoconsulta(5,8,11)
- Orientar o doente: no final da consulta, o médico deverá decidir se solicita exames complementares de diagnóstico e/ou se institui terapêutica, se agenda um seguimento ou se faz uma referenciação do doente. Poderá também prescrever medicamentos, bem como outras declarações de saúde e/ou atestados.
- Fazer os registos eletrónicos: Identificação das instituições prestadoras; Identificação dos profissionais envolvidos; Identificação e dados do utente; Identificação da data e hora do início do final da teleconsulta; Tipologia da teleconsulta (programada/urgente); Identificação da(s) especialidade(s); Motivo da teleconsulta; Observação/dados clínicos; Diagnóstico; Decisão clínica/terapêutica; Dados relevantes dos meios complementares de diagnóstico e terapêutica; Identificação dos episódios (origem, destino e Consulta a Tempo e Horas, quando aplicável). No final, é obrigatória a elaboração de um relatório que contenha a informação clínica relevante, validado pelo(s) profissional(ais) interveniente(s), e armazenado no(s) Sistema(s) Informático(s) clínico da respetiva instituição.
- Garantir aos doentes e respetivas famílias o acesso a contactos e links importantes de acordo com as necessidades (serviços de saúde, linhas de apoio, etc).
- Sempre que haja alguma dúvida, deverá ser agendada uma avaliação presencial.
- A telemedicina tem uma boa aceitação por parte dos adolescentes e pais/cuidadores e é eficaz especialmente em doenças crónicas e do foro psiquiátrico.
- A telemedicina melhora a adesão aos cuidados de saúde, a satisfação do doente e a qualidade de vida.
- No futuro, a otimização deste meio de consulta poderá incluir melhorias na privacidade, melhoria das dificuldades técnicas e estandardização de métodos de aquisição de dados do doente no domicílio de forma a aumentar a segurança.(4)
Aqui provavelmente vamos colocar a referência para o capítulo da entrevista ao adolescente, onde se explica o HEEADSSS, por isso podem deixar entre parênteses (clique para aceder ao artigo sobre a entrevista ao adolescente)
1 - Soares J. Telemedicina e as suas particularidades práticas. Cartas ao Editor, ActaMedPort 2022 Apr;35(4):311-312. doi https://doi.org/10.20344/amp.17865
2 - Entidade Reguladora de Saúde. Prestação de serviços de telemedicina nos Hospitais do Serviço Nacional de Saúde. 2022. Disponível em www.ers.pt
3 - O’Neill C, et al. Consulta não presencial no SNS durante a pandemia COVID-19, ActaMedPort 2022 Jun;35(6):455-467. doi: https://doi.org/10.20344/amp.16724
4 - Wood SM,et al. Acceptability, Feasibility, and Quality of Telehealth for Adolescent Health Care Delivery During the COVID-19 Pandemic: Cross-sectional Study of Patient and Family Experiences. JMIR PediatrParent 2021;4(4): e32708. doi: 10.2196/32708
5 - World Health Organization. How to plan and conduct telehealth consultations with children and adolescents and their families. Geneva: 2021. ISBN 978-92-4-003807-3
6 - Barney A, et al. The COVID-19 Pandemic and Rapid Implementation of Adolescent and Young Adult Telemedicine: Challenges and Opportunities for Innovation. Journal of Adolescent Health 2020 Aug;67(2):164-171. doi: 10.1016/j.jadohealth.2020.05.006
7 - Damian AJ, Stinchfield K, Kearney RT. Telehealth and Beyond: Promoting the Mental Well-Being of Children and Adolescents During COVID. Front Pediatr. 2022 Feb 14; 10:793167. doi: 10.3389/fped.2022.793167.
8 - American Academy of Pediatrics. Telehealth and Adolescent Health Care: What Can Pediatric Clinicians Do? Available from https://www.aap.org/en/practice-management/care-delivery-approaches/telehealth/telehealth-and-adolescent-health-care-what-can-pediatric-clinicians-do/. Last updated 10/05/2021.
9 - Diário da República, 2.ª série. Despacho n.º 3571/2013. N.º 46. 6 de Março de 2013
10 - Diário da República, 2ª série. Regulamento n.º 707/2016. Artigo 46. 21 de julho de 2016
11 - Direção Geral da Saúde. Modelo de Funcionamento das Teleconsultas Norma nº 010/2015 publicada em 15/06/2015. Disponível em www.dgs.pt
12 - Smith GL, McGuinness TM. Adolescent Psychosocial Assessment: The HEEADSSS. J PsychosocNursMent Health Serv. 2017 May 1;55(5):24-27. doi: 10.3928/02793695-20170420-03. PMID: 28460146.
13 - Fonseca P. Adolescência. Lições de Pediatria vol I. pp 245-258. doi: https://doi.org/10.14195/978-989-26-1300-0_14
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