Autores:
Eliana Morgado, Interna de Formação Específica de Pediatria – Centro Hospitalar Tondela-Viseu
Francisco Carvalho Ruas , Assistente de Pediatria, Serviço de Pediatria, Centro, Hospitalar Tondela-Viseu
A adolescência é o período da vida compreendido entre os 10 e os 19 anos (OMS). Nele ocorrem mudanças físicas, mentais, emocionais, sexuais e sociais que vão capacitar o adolescente para a vida adulta.
Os adolescentes são um grupo heterogéneo. Por um lado, por força da variabilidade no desenvolvimento cerebral ao longo do tempo nesta faixa etária que condiciona diferentes velocidades na maturação física e psicológica. Por outro, os seus riscos, influências, objetivos e patologias dependem de onde vivem e do nível socioeconómico da sua família. As mudanças sociais, tecnológicas e da estrutura familiar influenciam os adolescentes, pelo que a sociedade, a família e os profissionais de saúde devem estar atentos a essas mudanças, no sentido de conseguir responder aos desafios por elas impostos.
Os fatores que influenciam a saúde em todas as fases da vida, têm mais premência na adolescência, pelo que os hábitos adquiridos nesta fase tenham tendência a perpetuar-se ao longo da vida - sejam benéficos ou prejudiciais. Esta faixa etária é, por este motivo, uma janela aberta à prevenção primária e secundária, para a promoção da saúde física e psicológica, fatores interdependentes entre si. A maioria dos adolescentes não apresenta doença orgânica e tem uma evolução normal. Existem, contudo, adolescentes com doenças crónicas nos quais a transição para os serviços de adultos deve ser preparada cuidadosamente.
Os motivos de consulta em ambulatório variam desde situações de vigilância da saúde global do adolescente e de doença aguda auto-limitada até à gestão de situações complexas físicas ou do foro psicossocial.
A consulta do adolescente tem as suas especificidades, no que respeita ao espaço físico próprio, adequação da linguagem do profissional ao estádio maturativo do adolescente, preservação da confidencialidade e valorização dos “pedidos de ajuda” do adolescente e sua família. Este último tópico é de especial importância já que nem sempre é expresso de forma clara (motivos de consulta ocultos). Assim, na tríade profissional de saúde – adolescente - cuidador os problemas e preocupações podem ser diversos. Os motivos de consulta podem ser resultado de referenciação de outro profissional, preocupações da família, a “pedido do adolescente”, sinalização de estruturas sociais (escola, instituições), vigilância programada ou mesmo outros que se detetam na entrevista clínica (motivos ocultos ou o adolescente como “sinalizador” de problema da dinâmica familiar).
No que toca à Consulta de Medicina do Adolescente em específico, esta tem critérios objetivos de referenciação, enumerados no seguinte documento https://www.spp.pt/UserFiles/file/Seccao_Medicina_Adolescente/SPMA_CRITERIOS.REFERENCIACAO.pdf. Estes critérios podem variar consoante a instituição, de acordo com a sua própria organização.
A estrutura familiar tem mudado de forma radical nas últimas décadas, em relação com o aumento da taxa de divórcio (e consequente aumento do número de famílias monoparentais e reconstruídas), a progressiva incorporação da mulher no mercado de trabalho e a maior mobilidade pessoal e social de que resulta uma menor taxa de co-residência de diferentes gerações da mesma família na mesma área geográfica. O acesso à formação generalizou-se e o acesso ao ensino superior é hoje universal. Curiosamente, o adolescente que tem atualmente mais recursos que os seus antecessores, parece estar cada vez mais sozinho no seu próprio espaço. A família tendencionalmente mais ausente, especialmente para os jovens, gera uma dependência crescente da sua relação com os pares.
A forma como os jovens comunicam, se divertem e se relacionam evoluiu rapidamente e a vida do adolescente é hoje digital. Floresce a sociedade do imediato, sendo a popularidade medida pelo número de seguidores e likes nas redes sociais, o que frustra os menos populares e propicia a chamada depressão do Facebook. Estes avanços da tecnologia e o seu (ab)uso crescente deram origem a novas patologias causadas pelos movimentos repetitivos como a wiitis, também conhecida por nintendinite ou polegar de Blackberry – tendinite dos polegares. Olhar fixa e prolongadamente para um ecrã pode condicionar sintomas de olho seco e cansado, visão turva, fadiga e cefaleias – o designado Síndrome da Tela, responsável pelo aumento do risco de miopia. Sabe-se que o uso da internet é mais prejudicial do que assistir televisão ou jogar videojogos, pela falta de controlo do conteúdo consumido. As videodependências estão associados a outros comportamentos de risco, tais como início precoce e desprotegido da atividade sexual, tristeza, apatia, ideação suicida, diminuição da atividade física e consequente propensão para obesidade e perturbações do comportamento alimentar (bulimia, anorexia nervosa, compulsões alimentares etc.), tabagismo, consumo exagerado de álcool, consumo de drogas ilícitas, agressividade e uso de armas.
A deificação da imagem corporal e o culto pelo corpo perfeito radicaram-se na sociedade atual. Aliados de outros fatores individuais, familiares e sociais, associam-se atualmente uma incidência crescente de Perturbações do Comportamento Alimentar, tais como a Anorexia Nervosa e da obsessão pela prática de exercício físico na procura de um corpo atlético, denominada Vigorexia. Outras patologias do foro alimentar incluem a Ortorexia – a ingestão exclusiva de alimentos de origem conhecida, condicionante de uma planificação exaustiva da alimentação – e a Alcoorexia – jejum alimentar durante o dia, para economização de calorias que serão consumidas na forma de bebidas alcoólicas durante a noite. No outro extremo a obesidade e o síndroma metabólico.
A patologia mental tem apresentado uma maior prevalência na adolescência, podendo vir a converter-se numa pandemia psicológica do futuro no mundo globalizado. De acordo com a OMS, cerca de 10 a 20 % dos adolescentes irão desenvolver alguma forma de patologia mental, sendo a depressão, os transtornos psicóticos e a ansiedade as mais frequentes. Os quadros de sintomas de origem psicossomática e os distúrbios de sono são também frequentemente um motivo de consulta.
A impulsividade característica e os comportamentos desajustados aumentam a morbimortalidade por causas externas, tais como acidentes, consumo e abuso de substâncias psicoativas, tentativas de suicídio e atos de violência, que são causa de 25% das mortes em adolescentes. A exposição ao suicídio entre os jovens, por si só, é um fator de risco para futuros pensamentos e comportamentos suicidas.
Os problemas associados à sexualidade (a patologia ginecológica e urológica – ou as frequentes variantes do normal relacionadas com a evolução hormonal fisiológica) são também motivo de consulta regular em adolescentes, sobretudo associados a autoimagem depreciativa (ginecomastia, tamanho do pénis), que surge por comparação com a imagem veiculada em filmes/internet.
A maior parte destas situações são preveníveis e de melhor prognóstico com orientação precoce, pelo que a família e os profissionais de saúde têm um papel fundamental na sua prevenção.
A patologia respiratória, como a asma (que, como na infância é também a patologia crónica mais frequente na adolescência) e a rinite alérgica, mantém expressão significativa na consulta de adolescentes. Nestas doenças as tecnologias de informação podem dar um apoio ao permitir registo de sintomas e comunicação com profissionais que será uma mais valia . É também motivo de consulta a patologia específica da adolescência – alterações da puberdade (patológicas ou variantes do normal), baixa estatura e doença tiroideia. Muitas das doenças crónicas das crianças persistem (ou agravam) na adolescência. As mais frequentemente orientadas em consulta de Medicina do Adolescente ou outras áreas pediátricas são a fibrose quística, anemias crónicas hereditárias, paralisia cerebral infantil, neoplasias, diabetes, malformações, miopatias, epilepsia, défices cognitivos, doenças inflamatórias intestinais, insuficiência renal e doenças metabólicas. A Perturbação de Hiperatividade e Défice de Atenção (PHDA) persiste na adolescência em 60 a 85% dos casos. Além destes, há a considerar o adolescente com comorbilidade ou dificuldades escolares/sociais que mascaram a PHDA, ainda por diagnosticar.
Os principais motivos de consulta por doença aguda em adolescentes são os traumatismos, sintomas inespecíficos (febre, mal-estar geral, dor, sintomas agudos de patologia alergológica, anorexia, tonturas), intoxicações, infeções agudas (respiratórias e gastrointestinais), alterações do comportamento (ansiedade, consumo de substâncias psicoativas, ideação e/ou tentativas de suicídio, depressão e comportamentos auto-lesivos), patologia ginecológica (menometrorragias, cólicas menstruais) e infeciosas (incluindo ISTs).
Numa amostra de 1141 atendimentos (1129 adolescentes) realizados numa Unidade de Saúde e Medicina do Adolescente (USMA) de um hospital de grupo I (Moleiro et al, 2015), verificou-se que o motivo de referenciação foi patologia médica em 61,6% dos casos e psicossocial/comportamental em 16%. Os restantes recorreram por outros motivos. Os motivos médicos mais prevalentes foram a obesidade (18,2), as Perturbações do Comportamento Alimentar (6,3%) e os problemas da tiróide (4,4%). A ansiedade (5%) e as alterações do humor (2,4%) foram os motivos de ordem comportamental mais frequentes.
O médico que assiste adolescentes deve utilizar todas as oportunidades de contato com um adolescente (urgência, pedido de contraceção, atestado de robustez para pratica desportiva, entre outras) para a avaliação global da sua saúde e rastrear fatores de risco – Intervenções oportunistas!
Todo o contacto com o profissional de saúde determinará a adesão aos cuidados de saúde, pelo que a relação de empatia, linguagem inclusiva /acrítica e a confidencialidade são fundamentais para a continuidade do seguimento.
Nos diferentes momentos da entrevista clínica (adolescente com familiar e adolescente vs a sós como o médico), deve ser dada importância às preocupações que do adolescente quer da sua família, não esquecendo que são os pais o seu principal suporte.
Na presença de vários problemas/situações a resolver num dado contato com o adolescente, o médico deve priorizar os problemas envolvendo sempre o adolescente e sua família nas propostas de intervenção.
A adolescência é um período marcado pela mudança, sendo que a adoção de um estilo de vida saudável e o aconselhamento preventivo pelo médico constituem pilares para o seu desenrolar em segurança. Os motivos de consulta em adolescentes são variados e crescentemente do foro da prevenção terciária.
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