Estratégias de

comunicação

Autores:

Sérgio Neves, pediatra, Hospital Lusíadas de Lisboa

Introdução

A entrevista clínica é a parte fulcral da consulta com adolescentes; estabelece a relação terapêutica, permite conhecer o adolescente no seu universo e é ela própria uma ferramenta de intervenção. O profissional de saúde deve estar familiarizado com as técnicas de entrevista motivacional, reconhecer a linguagem não verbal do adolescente, atender aos contextos culturais e educacionais das famílias e escalonar prioridades na sua intervenção.

A - O adolescente difícil

a.1 - O adolescente que chora

Palavras chave: escutar empático; dar tempo e espaço, validar o sofrimento, definir pessoas significativas e estratégias passadas de superação utilizadas pelo adolescente, redefinir pedidos “ocultos” de ajuda (adolescente como elemento sinalizador de um problema sistémico familiar?)

Exemplos de “desbloqueio comunicacional”

“percebo que algo te incomoda bastante…pausa …estou aqui para te ajudar…"

“… estou disponível para ti neste momento…leva o teu tempo para que te sintas preparado (a) para conversar”

a.2 - Adolescente em mutismo

Palavras chave: manter a calma e focar na linguagem não verbal. O “silêncio” do profissional como ferramenta de comunicação, dar tempo e espaço, reforça a importância de ter um espaço só para si sem críticas. Explorar falhas comunicacionais no passado com outros profissionais. Obter informações através dos cuidadores e de quem acompanha.

Exemplos de “desbloqueio comunicacional”:

“Provavelmente já te disseram várias vezes que estava “tudo normal” e tudo isto era da tua cabeça ou “só estavas a chamar a atenção” … mas gostava de  te ouvir… o pensas sobre isso?” …

“… se ainda não estás preparado para falar eu espero até que queiras falar… será uma oportunidade que estarás a dar a ti próprio…”

“Reparo que tens uma T-shirt de (ex: grupo musical) … o que gostas nele? quais as tuas músicas preferidas?”

a.3 - O adolescente em oposição/desafio

Palavras chave: manter a calma e focar na linguagem não verbal. O silêncio do profissional como ferramenta de comunicação, o “problema” não é com o profissional. Iniciar a entrevista clínica pelo tópico das qualidades e aptidões do adolescente (Strenghts). Explorar dinâmica familiar e estratégias comunicacionais intrafamiliar. Existem ganhos secundários? Abertura para entrevista com outros profissionais da equipa.

Exemplos de “desbloqueio comunicacional”:

"Percebo que por vezes é difícil respeitarem-nos, este espaço é uma oportunidade para poderes dar a tua visão do problema…"

"Parece que chamas a atenção de todos… e tens conseguido isso? Como te sentes com isso?"

"Deve ser muito desgastante estar sempre em “luta” com os outros…e talvez contigo próprio …o que pensas sobre isso?"

Reforçar a confidencialidade em todas as situações: “tudo que me disseres ficará entre nós exceto se for algo que te coloque em risco, mas se assim for, eu vou sempre dizer-te primeiro, e estarei aqui para te apoiar na conversa com os teus pais”.

Atender à maturidade psicológica (fase maturativa) do adolescente nas estratégias de comunicação e clarificar os motivos de consulta.

B - A família difícil

b.1 - Pais separados em litígio

O profissional de saúde tem um papel de mediador, colocando o foco no adolescente. Explorar situação legal na partilha da responsabilidade parental, o grau de diálogo entre os pais, e se existem outras pessoas significativas envolvidas nos cuidados ao adolescente.

No final da consulta deve sumarizar-se as problemáticas e procurar envolvimento de todos nas estratégias a definir até um próximo encontro (mesmo que sejam pequenas mudanças na prática). Ponderar terapia familiar ou intervenção parental dirigida por técnico especializado.

b.2 - Pais autoritários e dominadores

Procurar os receios e as dificuldades dos pais com o filho adolescente. Explorar as vivências que os próprios pais tiveram como adolescentes e adultos na superação de problemas. Validar os “pontes-fortes” da relação e da dinâmica familiar e negociação de novas formas de comunicação. Envolver outros adultos significativos para o adolescente (ex.: professor, treinador). Explorar sempre situações de risco como violência psicologia e/ou física.

b.3 - Pais que tentam obter acesso a informação confidencial/ que tentam falar a sós com o medico na consulta

Preservar a relação médico-doente garantindo a confidencialidade. Trazer para o momento das consultas os problemas de comunicação (muitas vezes são falsos segredos intrafamiliares)

b.4 - Etnias

Conhecer e respeitar as diferentes dinâmicas familiares, costumes e regras de cada comunidade. Definição de quem tem a autoridade e como a exerce com o adolescente. Envolver mediadores na comunidade e outras pessoas significativas para o adolescente (ex.: professores, treinadores, líder religioso da família, recursos comunitários de apoio e intervenção). Explorar sempre situações de risco como violência psicologia e/ou física.

C - Condições particulares

c.1 - Perturbações do espetro do autismo

c.2 - Défices sensoriais (ex: surdez, cegueira)

c.3 - Perturbação do desenvolvimento intelectual

c.4 - Dificuldades com a língua (emigrantes/ refugiados)

c.5 - O adolescente fragilizado (abuso físico ou psicológico)

c.6 - O adolescente com surto psicótico

O profissional tem de reinventar, adaptar-se e ser criativo nas formas de comunicação. Recursos de comunicação (língua gestual, tradutor de línguas no telemóvel, reforçar a linguagem não verbal), trabalhar com as pessoas significativas e garantir a proteção do adolescente (nomeadamente sinalização a serviço social, comissão de proteção de crianças e jovens (CPCJ) ou tribunal)

Palavras chave: linguagem não verbal, confidencialidade, entrevista motivacional

Bibliografia

1 - Muller WR, Rollnick S,Entrevista motivacional 3ª ed, Climepsi editores, 2012

2 - How to carry aconsultation taking into account the specificity of the adolescent health andcare, EuTEACH acesso em Course: Caring for adolescents and youngadults in health care settings - A training package by EuTEACH (unil.ch)

3 - Fonseca H. Entrevista Clínicaem Medicina do Adolescente.Acta Pediatr Port 2017;48:334-5

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