Autores
Alexandra Luza
A entrevista clínica é parte fundamental da avaliação médica, e faz parte habitual do contacto inicial do adolescente e família com o médico. É assim fundamental promover uma boa comunicação, com colheita dos dados necessários, adaptando-se a sua estrutura mais formal às particularidades do grupo etário dos adolescentes.1
A adoção de um questionário estruturado permite ao entrevistador não esquecer as áreas fundamentais, enquanto se frisa a flexibilidade e o oportunismo necessários na abordagem dos temas considerados mais difíceis. É de igual forma importante aproveitar a oportunidade em que o adolescente recorre ao serviço de saúde pelos mais variados motivos (exame médico-desportivo, vacinação, situação de doença aguda) para introduzir a entrevista clínica. Desta forma, poderá dizer-se que se fala mais num fio condutor do que numa estrutura rígida, quando se trata da entrevista a adolescentes.
A comunicação deve ser clara e simples, iniciando-se pela apresentação do médico, e adaptada ao estadio de desenvolvimento do adolescente. Na fase da adolescência precoce poderá ser importante fazer perguntas mais fechadas, enquanto na adolescência média e tardia o entrevistador colhe mais informação com perguntas abertas.
As regras básicas da consulta de adolescente devem ficar claras no momento inicial da entrevista, quer para o adolescente quer para quem o acompanha. O foco principal é o adolescente, e a confidencialidade deverá ser assegurada (apresentando-se as exceções à mesma, como sejam o risco de vida para o próprio ou outrem, bem como o abuso de qualquer ordem).
Poderá ser importante frisar igualmente que em determinadas situações a consulta funciona em vários tempos, um em que estão presentes todos os intervenientes, e um em que o adolescente ficará sozinho com o médico. Via de regra não se aconselha um tempo a sós entre o médico e a família, sob pena de quebrar a confiança no médico, mas a ser absolutamente necessário, que ocorra previamente ao tempo a sós com o adolescente. De notar que o que se pretende é a responsabilização do adolescente pela sua saúde, bem como incentivar a autonomia do mesmo.
Alguns aspetos práticos são ainda ter em atenção o nome pelo qual o adolescente prefere ser tratado, solicitar a autorização aquando da presença de outros elementos na consulta (alunos, estagiários) e, no que diz respeito aos registos, é importante reduzir ao mínimo o que se escreve enquanto decorre a entrevista.
A adoção do modelo HEEADSSSS2, desde a sua versão mais inicial proposta por Goldenring e Cohen em 19883, permite uma abordagem biopsicossocial tão importante nesta faixa etária. É o modelo mais utilizado, e o proposto no Programa de Saúde Infantil e Juvenil. Como se verá, a organização das perguntas em blocos começa por temas previsivelmente menos difíceis, progredindo para áreas que se anteveem mais complexas. De notar que nem sempre isto vai traduzir a realidade, e com a experiência o entrevistador acaba por poder ajustar-se (baseado no motivo declarado de consulta, e em pistas verbais e não verbais do adolescente e da família).
Uma boa ajuda quando se questionam situações mais embaraçosas, consiste em “normalizá-las” previamente, iniciando com um “Eu sigo em consulta alguns adolescentes que me dizem que... o que é que tu pensas sobre isso?” ou “já te aconteceu?”.
Por vezes não é possível abordar todas as áreas numa única consulta, pelo que dependerá do entrevistador direcionar a entrevista para o motivo de consulta percecionado. É ainda útil, ao progredir de tema para tema, fazer um pequeno resumo oral do que foi dito anteriormente, reforçando a atenção e compreensão do que foi já falado. Da mesma forma, no final da entrevista clínica é importante sumarizar o que foi dito, clarificar a problemática identificada, e envolver o adolescente nas decisões ou recomendações a tomar até à próxima vinda à consulta. Em algumas situações pode ser importante deixar algum contacto ao adolescente, como por exemplo um e-mail, para o esclarecimento de dúvidas e facilitar a comunicação direta.
O acrónimo HEEADSSS significa então (Tabela 1):
H - Home (Habitação): Aborda o agregado familiar e as relações interpessoais, bem como as condições físicas da habitação.
E – Education and Employment (Educação e emprego): Permite avaliar questões como a segurança em ambiente escolar, o rendimento académico, as relações com pares e professores, e eventuais projetos futuros.
E – Eating and Self Image (Alimentação e auto-imagem): Avalia os hábitos alimentares, bem como a perceção da auto-imagem e satisfação corporal.
A – Activities (Atividades): Questiona as atividades de lazer e extracurriculares, potenciais comportamentos de risco nas mesmas, interação social e amizades.
D – Drugs and Substances (Uso/abuso de drogas e outras substâncias tóxicas): Aborda a experimentação e os hábitos alcoólicos, tabágicos, e uso de outras substâncias legais e ilegais.
S – Sexuality (Sexualidade e relacionamentos): Permite abordar relacionamentos anteriores e presentes, questões como identidade de género e atração sexual, conhecimentos e atitudes relativamente a infeções sexualmente transmissíveis e contraceção.
S – Suicide/Depression (Suicídio e depressão): O objetivo é questionar sobre ideias de morte e ideação suicida, humor e labilidade emocional, hábitos de sono, figuras de referência e confidentes, bem como comportamentos autolesivos.
S – Safety (Segurança): Avalia a sensação de segurança ou insegurança nos variados contextos do adolescente (familiar, escolar, grupo de pares), uso de cinto de segurança e capacete quando aplicável.
S – Strenghts (Qualidades): O foco desta área é em apontar características positivas do adolescente e reforçá-las, quer por questão direta, quer por observação do entrevistador.
A consulta do adolescente tem características próprias, e a entrevista estruturada HEEADSSSS fornece um bom ponto de partida para a abordagem psicossocial do adolescente. Não é uma abordagem estanque, e pode não ficar completa numa única consulta, pelo que a experiência e a flexibilidade do médico são fundamentais para uma boa colheita da informação. Se e sempre que possível, deve ser terminada focando os aspetos positivos apurados, reforçando a confiança e a boa relação terapêutica.
1 - Fonseca H. Entrevista clínica em Medicina do Adolescente. Acta Pediatr Port 2017; 48:334-5;
2 - Goldenring J, Rosen D. Getting into adolescent heads: An essential update. Contemp Pediatr 2004;21:64-80;
3 - Goldenring JM, Cohen E. Getting into adolescent heads. Contemp Pediatr 1988;5:75-90;
a Especialista em pediatria médica, membro da Direção da Sociedade Portuguesa de Medicina do Adolescente.
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