Alterações musculo-esqueléticas

Escoliose

Autores:

Inês Massano Simão, Interna de Formação Específica de Medicina Geral e Familiar, USF Ossónoba, ACES Algarve Central, ARS Algarve

Yvan Serandão Rodrigues, Assistente Graduado de Medicina Geral e Familiar, USF Ossónoba, ACES Algarve Central, ARS Algarve

Introdução


A escoliose idiopática do adolescente (EIA) consiste num desvio tridimensional da coluna vertebral, que se apresenta entre os 10 anos e os 17 anos e 11 meses1–3. Caracteriza-se por uma curva, medida através do ângulo de Cobb (AC), superior ou igual a 10º no plano coronal acompanhada de rotação axial das vértebras, de etiologia desconhecida, conduzindo a alterações da geometria da caixa torácica1,2.

Classificação


A escoliose classifica-se em idiopática e não idiopática1,2. A escoliose idiopática é um diagnóstico de exclusão e classifica-se em diferentes tipos de acordo com a idade de aparecimento, etiologia, gravidade e tipo de curva (Tabela 1).

Epidemiologia


A EIA é o tipo mais comum de escoliose, sendo responsável por 80-85% dos casos4. A prevalência de EIA com AC>10º é de aproximadamente 3% e apenas 10% dos adolescentes com EIA necessitam de tratamento4. Ambos os sexos são igualmente afetados, no entanto, a prevalência é superior no sexo feminino.

Etiologia

Acredita-se que a etiologia da EIA seja multifatorial1,6. A contribuição genética parece ter um papel preponderante na patogénese da escoliose idiopática, mas o mecanismo ainda não foi estabelecido6.

História Natural


A progressão da escoliose acontece sobretudo no início da adolescência – fase de aceleração –, cujo início é marcado pela telarca no sexo feminino e pela pubarca no sexo masculino5. Após o crescimento vertebral completo, o risco de progressão é consideravelmente menor. Quanto mais jovem for o utente à data de diagnóstico, maior é o risco de progressão da curva5.

Fatores de Risco de Progressão

As curvas progridem em cerca de 2/3 dos utentes7 e consideram-se fatores de risco de progressão da curva7:
- Idade inferior a 12 anos;
- Sexo feminino;
- Raparigas em pré-menarca;
- Curvas com AC inicial ≥20º, independentemente da idade;
- Curvas duplas e torácicas
- Grau 0 ou 1 de Risser;
- Estádio de maturação esquelética de Sanders ≤3.

Avaliação Clínica

Através da avaliação clínica pretende-se identificar uma etiologia subjacente que exclua EIA, avaliar a magnitude da curva e a necessidade de radiografias e determinar o risco de progressão da curva4.

Anamnese

Aspetos importantes da história permitem colher dados sobre aspetos que são a desfavor da EIA nomeadamente curva de progressão rápida, presença de dor noturna, sintomas neurológicos, perceção de dismetria dos membros inferiores e fraqueza muscular1. A história familiar é útil quer para exclusão de outras etiologias hereditárias de escoliose ou para suportar o diagnóstico de EIA dado haver uma tendência à sua ocorrência em vários familiares1. A dispneia, a diminuição da tolerância ao exercício e a lombalgia devem ser questionadas pois são complicações da EIA1.

Avaliação da Escoliose

Inspeção
Após exposição adequada do tronco, o examinador deve procurar sinais sugestivos de escoliose, nomeadamente:
- Existência de assimetria torácica ou lombar;
- Diferença da altura dos ombros ou das omoplatas;
- Assimetria da cintura;
- Assimetria na distância dos braços ao tronco;
- Desvio cefálico;
- Quando observado de perfil, cifose torácica diminuída4.

Teste de Adams

É o teste mais sensível e demonstra o componente rotacional da escoliose4. Consiste na observação do utente de costas, enquanto este faz flexão anterior do tronco, com os pés juntos, joelhos em extensão e os membros superiores pendentes, até a coluna vertebral se tornar paralela ao plano horizontal4 (Figura 1). A existência de giba torácica ou lombar do lado convexo da curva favorece o diagnóstico de escoliose estrutural.

Uso do Escoliómetro
O escoliómetro (Figura 2) é utilizado para rastreio da escoliose e quantificação do ângulo de rotação do tronco (ART)4. Alternativamente, a utilização de aplicações de smartphone para esse fim1,4, nomeadamente Scoligauge App, demonstrou boa correlação com o escoliómetro físico1 Os graus no escoliómetro não correspondem aos graus do AC medidos na radiografia4.

Dismetria dos Membros Inferiores

A assimetria bilateral na palpação das cristas ilíacas e das espinhas ilíacas posteroinferiores com o utente em pé e com a anca e joelhos em extensão, levanta a suspeita de dismetria dos membros inferiores4. Nestes casos, a escoliose clinicamente aparente pode ser compensatória e esta desaparece quando a dismetria é corrigida4. Posteriormente, o comprimento dos membros inferiores deve ser medido individualmente4.

Exame Geral

A determinação do estádio de Tanner é útil pois o risco de progressão da curva é superior durante o pico de crescimento do adolescente, cujo início precede o estádio 2 de Tanner4. Alguns aspetos do exame objetivo podem sugerir o diagnóstico de escoliose sindrómica4. O exame dos pés pode revelar pé cavo, dedos em garra ou martelo, sugestivos de doença neuromuscular4. O exame neurológico é obrigatório para exclusão de escoliose neuromuscular1,4.

Avaliação Imagiológica


A radiografia é necessária para confirmar o diagnóstico, avaliar a etiologia, determinar o padrão da curva, quantificar a magnitude, avaliar a maturidade esquelética e monitorizar a progressão da curva4. Deve ser realizada em ortostatismo nas incidências posteroanterior e lateral, de C7 até ao sacro e crista ilíaca4. A direção da curva (esquerda ou direita) é definida pela sua convexidade e a localização é definida pela vértebra mais desviada e rodada em relação à linha média (vértebra apical)4.


Ângulo de Cobb


O AC é a referência padrão para monitorização quantitativa da escoliose e é formado pela interseção de uma linha paralela ao prato vertebral inferior da vértebra mais caudal da curva, ou alternativamente através da interseção das suas perpendiculares4 (Figura 3). Avalia apenas o plano de deformidade tridimensional e não é proporcional à gravidade da escoliose4.

Maturidade Esquelética


A maturidade esquelética é avaliada para determinar o risco de progressão e baseia-se na Classificação de Risser (Figura 4):
- Grau 0 – sem ossificação;
- Grau 1 – até 25% de ossificação;
- Grau 2 – 26% a 50% de ossificação;
- Grau 3 – 51% a 75% de ossificação;
- Grau 4 - >76% de ossificação;
- Grau 5 – fusão óssea completa da apófise ilíaca.
Graus de Risser menores traduzem maior crescimento esquelético remanescente e, portanto, maior risco de progressão da curva. No entanto, o Grau 1 de Risser, geralmente, ocorre após o pico de crescimento pubertário e não deve ser usado como indicador único de maturidade esquelética4.

Diagnóstico


O diagnóstico da EIA é clínico e radiológico. O algoritmo de abordagem da EIA é apresentado sob a forma de algoritmo (Figura 5).

Referenciação


O encaminhamento de utentes com EIA para Ortopedia baseia-se na medição do ART através do escoliómetro ou na determinação do AC7:
ART ≥7º em utentes com IMC < percentil 85;
ART ≥5º em utentes com IMC ≥ percentil 85;
AC entre 20 e 24º no sexo masculino ou no sexo feminino, pré-menarca entre os 12 e os 14 anos;
AC >25º em qualquer utente;
Progressão do AC ≥5º em qualquer utente.
Adolescentes com escoliose idiopática e baixo risco de progressão podem ser acompanhados pelo seu médico de família se este se sentir à vontade para o fazer. No entanto, poderá justificar-se o encaminhamento para Ortopedia7.


Tratamento


A escolha do tratamento deverá ter em conta a magnitude da curva, o potencial de crescimento remanescente, a avaliação do risco de progressão e as preferências do utente e da família7. A tabela 2 resume as principais recomendações para o tratamento e vigilância consoante o estádio de maturação esquelética e a magnitude da curva. Recomenda-se que a gestão da EIA seja realizada por equipas multiprofissionais em estreita relação com o utente e seus familiares1.


Mensagens-chave:


- A EIA consiste num desvio tridimensional da coluna vertebral;
- É um diagnóstico de exclusão;
- O Teste de Adams é o teste mais sensível e demonstra o componente rotacional da escoliose;
- A radiografia é necessária para confirmar o diagnóstico. Deve ser realizada em ortostatismo nas incidências posteroanterior e lateral, de C7 até ao sacro e crista ilíaca;
- O AC é a referência padrão para monitorização quantitativa da escoliose;
- O tratamento consiste em parar ou reduzir a progressão da curva durante a puberdade, prevenir a disfunção respiratória, prevenir ou tratar síndromes dolorosas vertebrais e melhorar o aspeto estético através da correção postural.

Referências Bibliográficas

1 - Costa RP, Silva AI. Escoliose Idiopática do Adolescente: Diagnóstico e Tratamento Conservador. Rev da SPMFR. 2019;31(4):19–36. 

2 - Branco PS. Classificação e Terminologia. In: Escoliose Idiopática Diagnóstico e Tratamento. 1a edição. Lisboa: Lidel; 2022. p. 15–30. 

3 - Negrini S, Donzelli S, Aulisa AG, Czaprowski D, Screiber S, de Mauroy JC, et al. 2016 SOSORT guidelines: orthopaedic and rehabilitation treatment of idiopathic scoliosis during growth. Scoliosis Spinal Disord [Internet]. 2018;13(3):1–48. Available from: https://scoliosisjournal.biomedcentral.com/articles/10.1186/s13013-017-0145-8#citeas

4. Scherl SA, Hasley BP. Adolescent idiopathic scoliosis: Clinical features, evaluation, and diagnosis. 2022. p. 1–68. 

5. Francisco RC, Pires M. História Natural. In: Escoliose Idiopática Diagnóstico e Tratamento. 1a edição. Lisboa: Lidel; 2022. p. 45–61. 

6. Silva MA. Etiopatogenia e Epidemiologia. In: Escoliose Idiopática Diagnóstico e Tratamento. 1a. Lisboa: Lidel; 2022. p. 33–41. 

7. Scherl SA, Hasley BP. Adolescent idiopathic scoliosis: Management and prognosis [Internet]. 2023 [cited 2023 Mar 7]. p. 1–47. Available from: www.uptodate.com

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